Análises

Hotel Barcelona – Review

Quando Swery65 (um dos desenvolvedores de Deadly Premonition) e Suda51 (mente por trás de No More Heroes e Lollipop Chainsaw) anunciaram juntos um projeto colaborativo entre eles, o mundo inteiro parou para ouvir. Ambos são reconhecidos por propostas incomuns, quase experimentais, que podem até pecar pelo acabamento, mas que definitivamente trazem algo de novo (e normalmente, perturbador) para os games. E não é diferente agora.

Hotel Barcelona foi descrito como uma paródia de filmes de terror pautado por uma ação insana em 2.5D e, bem… entrega exatamente isso. Na pele de Justine, uma agente federal norte-americana – ou US Marshal para manter a nomenclatura original – possuída por um verdadeiro encosto serial killer conhecido como Dr. Carnival, ela precisará usar de muitas habilidades especiais enquanto mantém a sanidade para sobreviver a este hotel desgraçado.

A escolha da ambientação não é uma coincidência, e o gênero do horror desenvolveu uma certa obsessão pelos mistérios que rondam lugares que escondem histórias incontáveis atrás de cada porta. O jogo The Dark Pictures Anthology: The Devil in Me adaptou bem eventos baseados na realidade, enquanto filmes e séries, como a ótima quinta temporada de American Horror Story, se apoderaram desta mística para explorar o bizarro e o inusitado.

Ainda que beba de várias destas referências, a inspiração explícita e escancarada de Hotel Barcelona está em um local pouco recomendado de se estar no inverno, sobretudo na companhia de Jack Torrance: o Overlook Hotel, onde são ambientados os eventos da obra de Stephen King, mais tarde adaptada para os cinemas pelo incomparável Stanley Kubrick, conhecida como “O Iluminado”.

É fácil para qualquer fã reconhecer o quarto 217 onde a nossa protagonista fica hospedada sem muito direito de escolha, ou então o misterioso barman cheio de classe que obviamente sabe muito mais do que aparenta desde sempre. Ainda assim, este game vai muito além e se permite criar universos completos baseados no maiores subgêneros do terror mais conhecidos.

A própria concepção se vale bastante do formato roguelike para nos colocar nos diversos espaços, cada qual com suas próprias regras. Justine, por intermédio da outra alma que lhe habita, descobre estar em um grande looping temporal no melhor estilo Deathloop, Returnal ou Feitiço do Tempo (esta última referência é para quem tem mais de 35 anos, certamente) de onde só poderá sair quando quebrar uma barreira estabelecida pela bruxa que domina o local. Pelo menos é nisso que ela precisa acreditar para seguir em frente.

Isso significa que ela entra em cada um dos núcleos (usando o mapa em seu quarto de hotel sem muitas explicações contextuais) precisando vencer um grande arquétipo de vilão típico dos filmes dos anos 1980 e 1990. O problema é que todos os cenários possuem múltiplos caminhos habitados pelo piores tipos de assassinos – e outras criaturas nefastas – prontos para acabar conosco sem nem perguntar.

Ainda bem que temos aliados (alguns deles bastante controversos) na jornada, incluindo NPCs que nos auxiliam com certos suportes, nos vendendo armas, fornecendo aprimoramentos e recursos importantes a serem implementados de modo definitivo ao nosso arcabouço. Nada disso é de graça, porém, e até a ajuda custa um preço caro, incluindo dinheiro, ossos e/ou orelhas (?) recolhidas em cada uma de nossas incursões.

A ajuda mais interessante de Hotel Barcelona vem, entretanto, de uma fonte ainda mais inesperada: nós mesmos. Por alguma anomalia espaço-temporal, nossa sombra surge nos cenários pelos quais passamos atuando como ecos de um passado recente que nos ajudam no presente, repetindo a performance anterior. Não só uma, nem duas, mas várias delas. Morrer e retornar constantemente significa arregimentar um exércitos de vários “eus” de Justine.

As condições para isso, porém, são específicas, a começar pelo trajeto escolhido. Cada trecho tem suas portas conectando com o próximo, e portanto há um caminho ramificado a ser traçado. A nossa sombra só transita, obviamente, por onde já passamos, então escolher bifurcações diferentes significa abandonar a auto-parceria, pelo menos até o próximo ponto convergente, que pode ser somente a batalha contra o chefão do lugar, por exemplo.

Há ainda outras distorções que podem surgir em dados momentos, como o acesso ao cassino, onde apostamos o pouco do nosso rico dinheirinho na possibilidade de melhorias em um sistema de cartas com baixíssimas probabilidades, que podem até aumentar de acordo com algumas escolhas que fizermos, mas que basicamente estão de uma para cinco. Parece que nem mesmo o excêntrico croupier está disposto a facilitar o nosso caminho.

Aliás, por falar em facilidade… ela não existe aqui. Hotel Barcelona segue a cartilha dos bons jogos do gênero e estabelece um alto nível de desafio, com pouco espaço para o erro ou pior, a displicência. Mesmo no nível Normal (a segunda de quatro opções de dificuldade para cada run), a morte é certa até que tenhamos acumulado experiência e melhorias suficientes para vencer principalmente os inimigos mais poderosos.

Estas melhorias, como já adiantado, advém dos recursos coletados a cada nova entrada, mesmo aquelas fracassadas. A nossa árvore de habilidades permanentes é vasta e funciona tal como já vimos em outros lugares, com melhorias na barra de vida, no dano com certos equipamentos ou com ampliação no acúmulo de sangue, de estamina e coisas do tipo.

O mesmo vale para os armamentos, que se dividem em dano melee (com machados e facas, por exemplo) e longa distância, começando com uma pistola, mas com outras a serem liberadas. Podemos comprar itens melhores, e acumular pontos de XP em cada um deles para torná-los ainda mais potentes e eficientes. Tudo isso em um sistema de progressão bastante profundo, mas de fácil manejo sempre que estamos de volta ao hotel.

A soma destes fatores mostra que Hotel Barcelona tem uma estrutura cíclica de gameplay bastante funcional e idealizada para manter o jogador imerso naquele mundo, mesmo com a frustração da derrota sempre à espreita, e considerando o projeto, ele funciona maravilhosamente bem nesse aspecto. A derrota pode irritar – e isso vai acontecer principalmente quando um chefão apela ao máximo quando está prestes a ser eliminado – mas o desejo do retorno é iminente. É prazeroso tentar de novo, pois os ciclos são curtos, dinâmicos e cheios de surpresas novas.

Isso porque os mapas em si são permanentes e, portanto, podem ser memorizados com uma certa facilidade, mas a disposição dos inimigos, por mais que sigam alguns parâmetros logo reconhecidos, é resultado de uma geração procedural. Ou seja, cada nova run pode ter novos adversários, armadilhas e perigos, localizados em lugares completamente distintos das tentativas anteriores.

Pior para nosso fantasma, que normalmente fica golpeando o ar por estar lutando com monstros do passado, e só consegue nos ajudar se formos estratégicos para atrair os inimigos para onde a sombra está. Uma boa dica é espancar os espaços vazios sempre que possível durante a jornada e não avançar somente andando. Isso pode parecer quixotesco, mas vai ajudar o nosso “eu” do futuro, que terá um eco passado cobrindo muito mais área.

A maior das limitações do jogo está no polimento dos combates em si, muito plásticos e visualmente impressionantes, mas atravancados e sem a fluidez que a velocidade do jogo exige. O tempo de recuperação da nossa heroína é um dos seus principais problemas, e qualquer combo, sempre caminhando enquanto desferimos golpes, pode nos levar direto para as lâminas hostis ou perigos ambientais, sem muito controle.

Em um jogo que roga pelo “erro zero”, sob as condições de poder perder uma jornada inteira por uma lamparina que nos ateou fogo sem querer querendo, por exemplo, esse problema de maleabilidade da personagem pesa bastante. O mesmo vale para a precisão dos saltos nas poucas, mas importantes passagens de plataforma, onde um escorregão custa muito caro. Mesmo com a automatização da mira das armas de fogo em certas circunstâncias, a pancadaria depende de um bom costume com o timing e principalmente, de muita resiliência do jogador.

Outro grande gargalo que pode incomodar qualquer jogador é a otimização técnica bastante deficiente do game até o momento, com quedas abissais e quase inaceitáveis da taxa de quadros, principalmente quando nossas companheiras pregressas estão na ação conosco. A ação é intensa e não é incomum que haja uma bagunça generalizada na tela, que se traduz em lentidão, atraso nos movimentos e, de novo, perda de precisão no tempo de ataque e defesa.

A coisa é tão séria que, mesmo sabendo das consequências, eu decidi em vários momentos por caminhos sem parcerias só para ter mais desempenho e tranquilidade no framerate, o que beira o absurdo, mas aconteceu. Outro erro ridículo é que batalhas contra chefes, quando usamos um recurso valioso de reviver, começam antes de nos livrarmos da cutscene e da tela de carregamento. Chegou ao ponto de eu ser derrotado antes de ver o que estava acontecendo simplesmente porque fui espancado enquanto tentava pular a cena de apresentação do maldito inimigo pela décima vez.

Raramente me vejo apontando para questões desta natureza em análises, primeiro porque são fatores que precisam de uma ou duas atualizações para serem resolvidas, e segundo porque é bem difícil que esses elementos sejam tão determinantes assim a ponto de interferir diretamente na experiência. Uma coisa é o jogo perder alguns frames e comprometer o imersão refinada, e outra é enroscar e nos fazer errar combos ou tomar porrada sem que mereçamos. E infelizmente, este é o caso, mesmo com o jogo já lançado.

Uma pena, mas talvez seja um preço que os desenvolvedores não estavam prevendo ter que pagar pelo ótimo trabalho artístico que pode ser visto em tela. Mesmo com um sistema de progressão lateral típico dos clássicos hack ‘em slashes bidimensionais, há um sistema de profundidade em camadas com a colorização brilhando, sobretudo ao incorporar variantes de tempo e clima na aleatoriedade da entrada.

A modelagem é muito bem feita, com personagens intensos e movimentos deslumbrantes. O mesmo vale para cenários detalhadíssimos que trazem em cada cantinho uma referência reconhecível. A geração de partículas é intensa, e a textura de vários elementos, como fogo e água, está muito além do que estamos acostumados em jogos desta magnitude. Mas tudo isso, como dito, cobra um preço no desempenho, e até aqui, é caro demais.

Isso sem contar as falhas no sistema multiplayer, seja na cooperação, seja no PvP, incluindo o ótimo recurso de podermos adentrar jogatinas alheias ou receber jogadores ao redor do mundo loucos para nos atrapalhar. Na ocasião que um pequeno desgraçado entrou na minha sessão, o game simplesmente travou por vários segundos até ele estar presente e ficou absurdamente lento até eu ser derrotado de uma forma humilhante e miserável. Na teoria, é um sistema tão legal quanto em Deathloop. Na prática, um martírio sistêmico.

Tudo isso, somado, impede que Hotel Barcelona – que nos apresenta um estabelecimento que está longe de ser tão adorável quanto aquele lá da Califórnia – alcance o máximo do potencial subversivo que claramente está na mente de seus criadores.

Ainda é um jogo incrível, e vai me render ótimas horas para buscar as dificuldades maiores assim que eu tiver liberado melhorias que me deem coragem, e espero que não demore para que seja corrigido para o máximo de eficiência. Porque no final das contas, tal como aquela curiosidade mórbida de adentrar um local mal assombrado, este é um lugar de onde quero sair o quanto antes, e ao mesmo tempo, onde por puro auto-sadismo, quero ficar por muito tempo.

Hotel Barcelona está disponível para PlayStation 5, Xbox Series e PC (via Steam) sem localização em legendas ou vozes para português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela CULT Games.

Veredito

Ao propor uma abordagem ousada para a temática que escolheu para si, Hotel Barcelona é diferente de tudo o que veio antes, mesmo que não reinvente a roda em nenhum dos seus aspectos mais importantes. É violento, é cruel, é graficamente estonteante, e reflete mentes deliciosamente perturbadas como poucos games na atualidade. Tudo isso seria incrível, não fossem as consequências tanto no sistema de combate quanto no desempenho técnico, ambos aquém do ideal.

70

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo