Final Fantasy Tactics sempre foi meu jogo favorito. Pelo menos desde que eu entendi o que isso realmente significa. Mesmo com as milhares de horas postas em Final Fantasy Tactics Advance e Final Fantasy Tactics A2: Grimoire of the Rift, o sentimento de retornar ao original (ou a versão de PSP, War of the Lions) sempre foi sinônimo de retornar a um lugar de conforto e felicidade. Um lugar em que, apesar de conhecer cada pequeno detalhe (ou talvez por isso), sempre parecia aparecer algo novo, algo que me transportava de volta para tempos melhores.
Então é possível imaginar a euforia de finalmente jogar Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles. Uma remasterização que era um desejo desde que o próprio conceito de remasters se tornou algo lá no PS3, quando o jogo recebeu “apenas” um port no saudoso PS1 Classics. Uma remasterização que chega com várias melhorias extremamente necessárias para um dos jogos mais importantes e influentes da história dos RPGs, ainda que com algumas pequenas ressalvas.
Um pouco de contexto histórico importante antes. A versão original de Final Fantasy Tactics foi lançada para PlayStation em 1997 no Japão e 1998 no ocidente, encaixado exatamente entre os lançamentos de Final Fantasy VII e Final Fantasy VIII. O lançamento tão próximo de FFVII é um tanto quanto poético, visto que FFT é talvez tão (ou mais) influente para a história do seu (sub)gênero quanto FFVII é para RPGs (e videogames) no geral.
Mas por que exatamente? O título, dirigido por Yasumi Matsuno, um dos nomes mais importantes do cenário japonês dos anos 90, responsável por, entre outros, Tactics Ogre e Vagrant Story, embora não seja necessariamente um revolucionário em termos tanto de gameplay quanto história (vários dos elementos vistos aqui já estavam presentes em TO), ele talvez seja mais conhecido por ter sido o caminho através dos quais eles se popularizaram. E não é para menos.
Contando a história de Ramza Beoulve, o jogo se passa logo após o fim de um conflito entre Ivalice, o reino onde o jogo se passa, e Ordalia conhecido como Fifty Years War que desencadeou uma série de problemas no reino atrelados as consequências da guerra, com grande parte da população jogada à pobreza. Quando a única força pacificadora do reino, seu rei, morre, duas facções distintas entram em conflito pelo controle de Ivalice no que ficaria conhecido posteriormente como The Lion War/War of the Lions.
Ramza, o protagonista controlado pelo jogador, é parte de uma das famílias de nobres e, ao lado de seu amigo de infância Delita, ele se vê incrédulo do papel da nobreza em Ivalice quando ambos testemunham a morte da irmã de Delita durante uma revolta do povo contra ela. Ramza acaba se juntando a um grupo de mercenários encarregados de proteger uma das herdeiras do trono, a princesa Ovelia e logo se vê do outro lado do campo de batalha do seu velho amigo Delita, que agora faz parte das forças do Black Lion lideradas pelo príncipe Larg.
Ao descobrir que algumas forças desconhecidas do povo parecem estar por trás de todos os eventos da guerra, manipulando os rumos de Ivalice para ganho próprio sem qualquer preocupação com o bem-estar do seu povo, Ramza se vê forçado a confrontar vários dos (sérios) dilemas morais que vem com uma guerra, especialmente uma guerra civil, precisando enfrentar não só seus próprios questionamentos pessoais, mas o próprio papel que ele, enquanto nobre e enquanto guerreiro, precisa exercer no futuro do reino e até onde ele está disposto a ir e sacrificar para garantir um futuro para aquele lugar.
Falar sobre Final Fantasy Tactics é falar sobre sua história e o quão impactante ela é. Embora seja fortemente influenciada pela Guerra das Rosas na Inglaterra, do nome, que só troca Rosas Brancas e Rosas Vermelhas por Leão Branco e Leão Preto, à própria estrutura básica da narrativa (um pós-guerra com outra nação – nesse caso pós-Guerra dos Cem Anos – que acaba desencadeando uma guerra civil), passando por toda a estética do seu universo (que é bem medieval), é impossível não reconhecer vários pontos em comum aqui. Mas ele coloca tudo isso em uma perspectiva diferente pelo quão bem ele te traz para dentro da narrativa.
E isso vai tanto da forma como o jogo constrói o papel de Ramza, de um jovem nobre desiludido a um guerreiro que se vê não só “forçado” a fazer o necessário, mas a força de vontade para tal, especialmente quando o conflito evolui para envolver diferenças forças misteriosas por trás do conflito. É difícil falar sobre o protagonista sem entrar em detalhes de spoiler, por mais que o jogo vá caminhando para o seu aniversário de 30 anos, mas é um arco de crescimento muito bom e que é um dos melhores de toda a franquia.
Mas não é só Ramza quem se destaca aqui. Delita, em especial, é uma peça tão importante e fundamental para o desenrolar da história quanto o próprio Ramza. Enquanto é possível sentir os conflitos por trás do protagonista, é o deuteragonista da história quem realmente funciona como o contrabalanço narrativo. É ele quem sofre a tragédia inicial que inicia os conflitos entre eles. É ele quem, ao longo de toda a história, precisa lidar com os traumas sofridos ao ponto de, eventualmente, ser um bastião de esperança para Ivalice. Mesmo com todos os méritos de Ramza, eles só se refletem para o mundo através de Delita. É uma dinâmica muito especial e que eleva a narrativa ao estabelecer esses dois pilares emocionais muito bem.
E, é claro, Ivalice por si só é uma “personagem” que merece elogios. É um mundo que se constrói tanto nos conflitos entre seus nobres quanto no quão real o sofrimento do seu povo é e como isso é sentido pelo jogador. Do quão bem os elementos mais místicos da vida no reino são, como o papel desempenhado pela igreja e pelos signos do zodíaco, e como eles impactam na narrativa, tudo ajuda a dar vida aos acontecimentos e estabelecem o reino como um dos universos mais marcantes de toda a franquia Final Fantasy. Não à toa, não só ele dá nome a essa remasterização, mas foi um dos poucos para os quais a série seguiu retornando ao longo dos anos. E, como o próprio diretor desse remaster disse, é inegável que, no estado atual do mundo, FFT traz alguns pontos de reflexão especialmente válidos.
O único problema vindo com esse relançamento é a ausência do conteúdo extra que havia sido adicionado no relançamento do jogo para PSP conhecido como The War of the Lions. Com a decisão da Square Enix de basear esse remaster na versão original de PS1, as melhorias vistos na versão de PSP não foram trazidas para cá. Embora o script e localização revistos ali se mantiveram, algumas adições como as participações especiais de Balthier, de Final Fantasy XII e Luso Clemens de Final Fantasy Tactics A2: Grimoire of the Rift, ambos jogos que se passam em Ivalice, as classes de Dark Knight e Onion Knight e o modo multiplayer não se fizeram presentes.
Isso não quer dizer que The Ivalice Chronicles não tenha suas próprias melhorias. Vários diálogos e cenas que haviam sido cortados da versão original por falta de espaço foram adicionados aqui pelas mãos do próprio Matsuno, incluindo novos diálogos durante as batalhas. Isso ajuda a expandir alguns personagens que ficaram escanteados na versão original, incluindo alguns personagens bem legais como Cid e Agrias.
Não só esses diálogos estão presentes, mas o jogo está inteiramente dublado agora, então as conversas foram todas revistas para que tudo ficasse mais natural e o resultado final é excelente e até superior ao de vários jogos originais (inspirados no próprio FFT) hoje. A expansão das Errands, pequenas tarefas que o jogo pode executar, e a inclusão do State of the Realm, um recurso através do qual o jogador pode revistar os acontecimentos da história, ajudam bastante a expandir o lore do jogo, dando ainda mais vida para Ivalice.
Mas não é só a história de Final Fantasy Tactics que o tornou tão icônico. É, também, o seu gameplay. Dada a predileção deste que vos escreve para RPGs Táticos, a comparação com FFT talvez seja a mais batida por aqui, mas é por um bom motivo. Embora vários dos elementos básicos do gênero tenham sido estabelecidos antes dele, como o mapa dividido em um grid, similar a uma partida de xadrez, com cada peça se movendo por uma certa quantidade de espaços a depender das suas estatísticas e agindo no seu dado turno, é o quão bem executado que o torna tão especial.
Um ponto notório da versão original é que, apesar de ser um RPG incrível, era também um jogo cheio de pequenos exploits bem fáceis de aprender e repetir ad eternum, o que acabava tornando a experiência mais “fácil” do que deveria ter sido. Como forma de fazer com que o gameplay seja ainda mais interessante e satisfatório, tanto para novos jogadores como para os veteranos retornando a essa experiência depois de algum tempo, o jogo foi todo rebalanceado, com aliados, inimigos e itens todos passando por ajustes em suas estatísticas. Isso permite que o jogador não precise se ater a certas estratégias, podendo experimentar mais com tudo que o jogo tem oferecer (incluindo, agora, um limite de até 50 unidades na sua party, ao contrário das originais 16).
O gameplay também traz uma série de melhorias de qualidade de vida, incluindo o fato de batalhas aleatórias não serem mais obrigatórias, a opção de acelerar batalhas, um autosave, a presença da ordem dos turnos sempre visível, mais clareza na árvore de cada job e até mesmo presets de equipamentos podendo ser customizados. São várias pequenas melhorias que deixam o gameplay mais em linha com o que se espera de um título em 2025. Ainda assim, caso o jogador queira, é possível jogar a versão original no modo Clássico, que traz o gameplay e gráficos originais e o script revisto.
Dito tudo isso e sem maiores delongas, Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles é mais do que “só” uma atualização visual, ainda que todas as melhorias gráficas e sonoras que o jogo traz mereçam dezenas de elogios. É, acima de tudo, a disponibilização em plataformas modernas de um dos melhores títulos da biblioteca do PS1, um RPG clássico, atemporal e muito influente que marcou não só uma geração de jogadores, mas segue criando discípulos até hoje. Seja você um velho templário de Ivalice ou alguém curioso com o gênero, Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles é uma inegável carta de amor ao dono de tantos corações por aí.
Final Fantasy Tactics: The Ivalice Chronicles está disponível para PS5, PS4, Xbox Series, Switch, Switch 2 e PC sem legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Square Enix.