Análises

Ghost of Yōtei – Review

O sucesso de Ghost of Tsushima não foi um mero acaso quando lançado em 2020 no PS4 pela Sucker Punch como um dos grandes exclusivos do consoles. A jornada de Jin Sakai na retomada de seu lar que foi ocupado pelas forças mongóis, inspirada numa história real pouco conhecida fora de seu ambiente, acertava em diversos pontos e entregava uma proposta altamente divertida. Com a experiência do estúdio responsável por InFamous em criar mundos abertos, seu primeiro jogo situado no universo japonês foi um dos grandes marcos da geração anterior.

Ghost of Yōtei é a promessa de mais um passo nesse universo, voltando ao Japão feudal e prometendo uma nova história com os fundamentos do jogo anterior e também novidades de impacto. Adianto desde já que Yōtei é um acerto imenso e talvez o melhor jogo já feito pela sua desenvolvedora, provando principalmente que tomar as decisões certas na hora de entregar um novo jogo vale mais do que seguir apenas tendências atuais.

Ghost of Yōtei

Mais de 3 séculos após os eventos na ilha de Tsushima e a lenda do fantasma que assombrou o exército de invasão Mongol, a aventura da vez segue a jovem Atsu na sua missão de vingança ao retornar para seu lar na ilha de Ezo, no norte do Japão e hoje conhecida como a região de Hokkaido. Depois de 16 anos do evento mais trágico de sua vida, tendo vivido como mercenária e usando qualquer trabalho e conflitos como parte de seu treinamento, Atsu vai à caça de Saito, lorde refugiado após a queda de seu clã e que passou a dominar a região, e seus outros 5 comparsas que participaram do brutal assassinato de sua família enquanto ainda era uma criança.

Aos pés do monte Yōtei e decidida que nada ou ninguém possa interferir na sua caçada, a lenda de um novo “fantasma” começa a se formar nos arredores de Ezo, com os habitantes e seguidores de Saito clamando que uma Onryō (espírito que interfere no mundo dos vivos) vem assombrar a região, sedenta de vingança e na forma de um ronin assassino.

Ghost of Yōtei

Ghost of Yōtei pode não ser uma sequência direta para Ghost of Tsushima, mas usa o primeiro jogo como base para praticamente tudo o que executa. É a clássica sequência que expande e aprimora o que foi entregue antes, focando em ajustes pontuais com margem de melhoria e aperfeiçoamento daquilo que já tínhamos como qualidade excepcional. Isso é visto primeiramente no roteiro, história e narrativa, que apesar de usar uma premissa simples de vingança e até clichê em alguns pontos, faz isso de maneira muito bem feita para o próprio universo.

Não há nenhuma reinvenção do tipo aqui, a jornada de Atsu é simplesmente vingar a sua família indo atrás dos responsáveis disso, o que acontece do início ao fim da jornada. Apesar de algumas surpresas e mudanças ao longo do curso, como as motivações da protagonista quando começa a perceber o que é necessário sacrificar e daquilo que precisa abdicar para isso, todo o processo da história é muito mais direto. Se compararmos com antes e toda a questão de honra e tradições que Jin precisa passar e mudar para salvar seu lar, aqui é muito mais direto e simples, quase como a fórmula de um blockbuster de cinema.

Ghost of Yōtei

Não há nada de errado na abordagem, muito pela ótima execução e jamais tentar ir além do que promete, além de combinar com todo o estilo da estrutura da jogabilidade. Atsu caça seus alvos, procura informações, aliados e parceiros, ajuda aqueles no seu caminho que podem fornecer algo, mas também deixa claro a importância de cuidar do seu lar enquanto outros o atacam. Isso se torna a motivação presente em toda a história, que não perde o foco ou se desvirtua da proposta, sendo consistente do início ao fim.

Personagens secundários e outros serão importantes e compõem a matilha da “loba solitária”, que começa a perceber ao curso da sua empreitada que sempre vai precisar de mais ajuda do que imaginava. Desses diversos personagens muitos vão compor a criação do mundo e, inclusive, fazer parte importante do processo de narrativa fragmentada que o jogo propõe.

Ghost of Yōtei

Uma das novidades é que o jogador segue suas atividades não de forma linear, mas mediante aquilo que deseja ir atrás. Procurar um mestre de certa arma para habilidades ou perseguir um mito atrás de um equipamento especial irá levar Atsu ao encontro de personagens que vão mover a história. Mesmo ir atrás de um dos 6 de Yōtei leva o jogador a regiões diferentes em caminhos distintos e que pode não ser o mesmo para mais de um jogador. De forma mais ampla após as primeiras horas de jogo, essa parte segmentada e opcional de como seguir a campanha principal perdura até pouco mais da metade do jogo, onde volta a ser mais linear enquanto se aproxima do fim.

Toda a liberdade para escolher como seguir e o que avançar na campanha acaba funcionando bem e não deixa cada parte desta como desconexa. Cada alvo e cada região vai contar suas próprias histórias, assim como cada aliado presente e um dos melhores exemplos é a loba que segue ajudando Atsu enquanto faz sua própria história separada. O jogador vai ter opção de fazer boa parte do jogo como preferir, mas nunca vai ter a história deixada de lado para que isso aconteça.

Ghost of Yōtei

A evolução do design de mundo aberto e atividades são enormes em comparação ao jogo anterior, muito também por toda essa liberdade. Cada região é diferente, com foco em alguns personagens e, principalmente, atividades distintas. Há novos eventos além do tradicional treino com bambus, mas também mecânicas únicas e exclusivas de cada lugar. Por exemplo, na região mais ao norte, nevascas irão impactar como o jogador explora e combate, com exposição maior ao frio diminuindo a vida máxima de Atsu. Já no oeste, uma legião de seguidores de um dos 6 de Yōtei cultivam um certo demônio e agem de forma diferente de outros lugares, mudando até mesmo o combate.

Ainda poderá encontrar facilmente as atividades padrão de jogos de mundo aberto que já vimos antes, como acampamentos repleto de inimigos, eventos aleatórios pelo mapa que iniciam combates e missões, explorar locais via escalada como templos e arenas de duelos e mais. Como já dito antes, há uma base de Ghost of Tsushima e dos trabalhos anteriores do estúdio que é mantido, mas adaptado ao novo jogo e com a adição de novidades pertinentes, muito em parte da maior diversidade de combate e atividades possíveis de forma detalhada.

Ghost of Yōtei

Mestres de armas específicas, as tradicionais missões de mitos e lendas da região, toda junção das atividades com a cultura local e histórica, a exploração de locais únicos e até mesmo a quantidade de detalhes que reforçam o ambiente e criação de mundo é algo notável. Se a Sucker Punch já tinha acertado antes, aqui é quase trabalho de mestre ao entregar um mundo incrível e detalhado, exponenciado pela sensacional direção de arte e estilo visual que falaremos depois.

Jin Sakai era um mestre da katana de samurai treinado pelo código de honra que precisou abandonar ao adentrar nas artes que o tornaria o primeiro shinobi deste universo. Atsu é praticamente o exército de uma mulher só, tendo usado de modo “improvisado” e sobrevivido assim ao usar todo armamento possível. Isso é demonstrado através do arsenal disponível, muito maior do que antes. Além da katana tradicional, será possível usar uma variação de katanas duplas, a lança japonesa yari, a odachi e também a kusarigama. Além disso, há os objetos de ação direta, como bombas de fumaça e kunais, e também as armas de longo alcance, como arco e a inclusão das armas de fogo que começa a surgir nessa época de forma a sobrepujar a katana.

Ghost of Yōtei

A combinação do arsenal com o sistema de armaduras e amuletos, agora mais expansivo, cria quase uma evolução para um gênero de RPG de ação, com builds mais profundas e diversas abordagens ao dispor do jogador. Já era algo presente antes, mas há agora amuletos que possam ser aprimorados, melhorias dos equipamentos e dos acessórios possíveis. Ainda é possível combinar formas ofensivas distintas e usar isso com estilos que favorecem enfrentar inimigos e suas constantes variações de armas. Por exemplo, katanas duplas são rápidas e é uma melhor opção para enfrentar inimigos com yaris, mas esses podem mudar para uma postura com escudo, tornando mais defensivo e forçando o jogador a tentar outra abordagem que o possa favorecer, como usar a kusarigama e seu poderoso ataque de corrente de longa distância.

Novas mecânicas como poder desarmar seu oponente e até mesmo usar a arma deixada para arremesso é algo bastante interessante aqui, mas também há a brecha para que Atsu seja desarmada e possa perder momentaneamente sua arma equipada. No fim, entre esquivas e desvios, parrys, sequências de ataques, combos, habilidades e troca de armas durante o combate, há quase uma dança entre oponentes e que é extremamente agradável de vez graças às animações excepcionais do combate e interação com inimigos e até mesmo outros aliados.

Ghost of Yōtei

Em certas partes, essa maior variedade de armas e dispositivos me lembrou os títulos da Team NINJA, como Nioh e A Ascensão do Ronin. Curiosamente também apresentam os mesmos problemas quanto a comandos e menus que podem se atropelar quando o jogador tenta usar tudo muito rápido durante o combate. Mesmo aqui não é perfeito e as combinações de direcionais com botões L e R não são totalmente eficazes, sendo essa minha única grande queixa com o jogo em sua jogabilidade.

A parte furtiva não deixou de ser opção e ainda está presente aqui, com Atsu tendo uma carta na mão ou outra para isso. Mesmo assim, o jogo parece mostrar que a ronin que domina diversas armas parece sempre mais propensa ao ataque direto e, nas minhas mais de 50 horas de jogo para terminar a campanha e a maioria das atividades secundárias, quase sempre preferi iniciar o confronto direto ao entrar num acampamento. Isso ainda pode ser feito chamando a loba para te ajudar ao encontrá-la e auxiliar na sua jornada algumas vezes, deixando ainda mais interessante o combate.

Ghost of Yōtei

De toda forma, entrar sorrateiro e assassinar inimigos enquanto causa o caos em silêncio é divertido e há diversos amuletos e armaduras que podem reforçar esses estilos. Use ainda a variação de armas para assassinatos ou dispositivos como flechas envenenadas e kunais para ser um shinobi secreto. Falando neles, saiba de antemão que toda a parte relacionada aos “ninjas” é excepcional e passa muito bem a interpretação de lutar nas sombras e de forma sorrateira, mesmo que seja contra você.

Um dos aspectos mais impressionantes de Ghost of Tsushima era seu visual impactante e loadings rápidos, tudo isso num PS4 em fim de vida e ainda com HD mecânico convencional para armazenamento. A parte mais incrível é que o jogo nunca apelou ao fotorrealismo ou gráficos de ponta para ter esse impacto, tendo saído bem próximo de The Last of Us Part II que já ia para outro caminho quanto ao seu visual. A iluminação, direção de arte, ambientação e inclusão de todo o aspecto cultural na paleta de cores era o que chamava atenção.

Ghost of Yōtei

Agora no PS5, com mais recursos técnicos e uso do SSD, Ghost of Yōtei sobe a régua quanto a isso e se mostra um jogo artisticamente impecável, com uso magistral da iluminação e sem precisar entregar gráficos realistas no processo. Se você achou sua viagem de antes para o sul do Japão um local belo de visitar é porque não está pronto para o que te espera em Ezo.

Da paleta de cores que usa e abusa do contraste entre tons ao uso de um visual para criação de mundo baseado no contexto real, o que temos é uma obra incrível nessa parte e isso só se confirma ao ter o jogo em mãos, aproveitar por horas e locais diferentes no mundo digital, para então procurar por fotos reais e atuais de Hokkaido e conferir o trato impecável do estúdio com a questão visual.

Ghost of Yōtei

Ghost of Yōtei consegue se sobressair nisso sem ter que apelar para detalhes minimalistas quanto ao modelo 3D de um personagem, mesmo que isso já tenha tido uma evolução notável. Se quiser um bom exemplo basta olhar rosto e mãos de cada personagem principal nos dois jogos e tire suas próprias conclusões. Além disso, com o uso de uma visão à distância absurda, o jogador consegue ver inúmeros detalhes e marcações em cada mapa com nitidez e qualidade, quase nunca precisando recorrer ao mapa, marcadores ou mesmo ao vento guia que aqui retorna.

Não dá para criticar de forma visual um título que só reforça sua qualidade usando o que tem de melhor, sendo sua própria arte e não uma textura de pele ultra realista que será algo notado 2 ou 3 vezes em dezenas de horas. Não existe um único canto da Ilha de Ezo que o jogador não ficará espantado pela qualidade visual entregue, quase que se sentindo navegando entre pinturas de um museu de arte.

Ghost of Yōtei

Algo bastante particular e que sugiro aqui é tentar o jogo com a dublagem em japonesa. Talvez seja a melhor dublagem condizente para Atsu e também para uma melhor imersão ao jogo, reforçando ainda mais a ambientação. Após testar a versão em português brasileiro e também em inglês, ambas dão a protagonista um tom de voz muito maduro e que não condiz tanto com a impressão geral.

Ghost of Yōtei pode ser facilmente o melhor trabalho da Sucker Punch, que mostra ter aprendido a trabalhar entregando o que um jogador quer, sem apelar para muitas mesmices da indústria. Com diversos outros aspectos notáveis além dos vários já citados, como ótima trilha sonora e o excelente uso do DualSense, a história de Atsu, sua jornada no autodescobrimento enquanto busca vingança e uma estrutura de mundo aberto que favorece um combate extremamente divertido e empolgante são só alguns motivos para te preparar a uma volta ao Japão Feudal.

Ghost of Yōtei está disponível para PS5 com dublagem e legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 (no PS5 Pro) e foi realizada com um código fornecido pela Sony Interactive Entertainment.

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