Espere! Não desça logo até o final da análise para ver a nota. Eu quero começar contextualizar esta review (prometo que não será longa demais). Vai ser daquelas que podem levantar estranhamento: “ei, se ele gastou tanto criticando, como a nota é tão alta?”, mas é sem spoilers, tá?
Primeiro, é bom dizer que fui eu mesmo quem comprou o jogo na PS Store (sim, estou ciente de que paguei mais caro que nas outras plataformas, mas o PS5 é minha única opção). Por isso, eu não tinha compromisso algum em redigir e publicar esta análise. Nem mesmo Ivan me pediu isso. Foi a vontade de escrever que me impeliu agora, após 39 horas dentro do reino de Fiarlongo.
Bem, eu acredito que o todo é maior que a soma de suas partes e, partindo dessa premissa, um jogo não precisa ser perfeito para receber uma nota máxima. Basta que ultrapasse patamares e expectativas em uma coerência exemplar para se colocar acima de seus pares — mesmo que tenha alguns problemas.
Mesmo que não tenha a nota máxima, é exatamente essa lógica que acontece em Hollow Knight: Silksong: é um jogo maior e melhor que seu antecessor — com ressalvas. O “maior”, porém, o compromete. Voltarei a esse ponto mais à frente.
A maioria de nós aqui deve saber bem do longo ciclo de desenvolvimento e espera que envolveu esse jogo. O trio da Team Cherry manteve longos silêncios, então o público tratou de elevar o hype às alturas.
Honestamente, o resultado final é gloriosamente merecedor, mostrando um árduo trabalho, tão refinado que supera tudo o que veio antes em termos de metroidvania e de soulslike em 2D. O mundo é majestoso, belíssimo, um maravilhoso trabalho de claro-escuro com cenários em várias camadas de profundidade e repletos de encontros memoráveis, tanto com aliados quanto com inimigos.
As lutas contra chefes são danças frenéticas que aceleram o coração de quem joga, mesmo que seja Hornet quem faz todas as acrobacias na tela sob o comando de nossos dedos. Só o fato de a heroína falar já a torna uma protagonista muito melhor que o cavaleiro vazio. Ela interage com todos com tom cavaleiresco, afirmando a confiança de quem conhece sua força e que não parará por nada em sua busca por respostas.
O novo reino que é palco da aventura, Fiarlongo, é vasto, intrigante e bastante não-linear, sem parecer uma mera repetição do Hallownest do jogo anterior. A exploração é total mérito de quem joga. Vou dar apenas um exemplo. O Silksong é dividido em atos, guiados pelas missões principais. Meu irmão, perdido pelo mundo, chegou ao final do Ato 1 sem concluir essa missão, seguindo por um longo e distante caminho alternativo que ele julgava ser o obrigatório. Sofreu, mas chegou.
Até a forma de jogar é diferente, uma vez que o pogo de Hornet (o impulso recebido ao atacar para baixo) é em diagonal e ela se pendura em beiradas consecutivas com muita agilidade. Nossa aranhinha divina não se limita a ser uma skin diferente e seus poderes e habilidades obtidos são o bastante para diferenciar o jogo e evitar cair no mais do mesmo. Ponto para a Team Cherry por isso.
Até o bom sistema de charms equipáveis por pontuação, que dezenas de metroidvanias passaram a usar desde Hollow Knight, foi deixado de lado por um formato de identidade própria, deixando a gameplay bem mais customizável pelo sistema de Brasões, que alteram os ataques básicos para se adequar ao gosto do cliente ou da necessidade do momento.
Essas divergências mostram o amadurecimento de uma visão que não tem medo de mexer no time que estava ganhando. Afinal, desde o Kickstarter de Hollow Knight, em 2014 (!), já estava certo de que a segunda personagem jogável, a própria Hornet, teria uma gameplay própria.
Por outro lado, a visão da Team Cherry ficou restrita em um ponto: a punição sem concessões. A dificuldade em jogos é sempre um ponto polêmico e até um tanto polarizador. Quer você concorde com meu ponto de vista ou não, o debate é válido e as expectativas de ambos os lados são reais: tanto o lado do “git gud”, que quer dificuldade na veia, quanto o de quem quer curtir a exploração, história, estética e atmosfera sem se deparar constantemente com obstáculos brutais, cujo aprendizado consome mais tempo e repetição do que gostariam.
A questão é que a tendência nos melhores metroidvanias dos últimos anos é ter modificadores de dificuldade que regulam a experiência, como em Prince of Persia: The Lost Crown, Crypt Custodian e Lone Fungus, chegando ao cúmulo do ajuste hiper-detalhado em Nine Sols. Até Aeterna Noctis tem um modo que acrescenta mais pontos de apoio às longas e brutais sequências de plataforma.
Mesmo os títulos de plataforma de ação feitos para serem difíceis, como os recentes Ninja Gaiden: Ragebound e Shinobi: Art of Vegeance, entenderam o fato de que seus jogos têm muito mais do que apenas desafio para ser aproveitado e que jogadores não deveriam ser impedidos de curtir o todo devido a pedras sádicas no meio do caminho.
A Team Cherry decidiu seguir seu próprio caminho. É válido, certamente. Eu entendo e respeito isso. No entanto, não acho que as mecânicas de “corpse run” (perder os recursos ao morrer, precisando retornar ao local da tragédia para reavê-lo) e de precisar vagar pelas áreas às cegas até conseguir comprar um mapa parcial do lugar sejam necessárias ou mesmo benéficas. Na comunidade de jogadores de metroidvania, as críticas a esses designs costumam ser majoritárias, mas aqui estão eles novamente.
Algo que pegou o público de surpresa foi a quantidade cavalar de inimigos comuns, chefes e armadilhas que aplicam dois pontos de dano de uma só vez, o que era raríssimo no primeiro jogo. Hornet começa com cinco pontos de vida e, a duras penas, a fiz chegar a oito. Considerando que o custo da barra de seda para se curar é altíssimo e que essa barra é compartilhada com ataques especiais, a recuperação da protagonista é bastante limitada.
Nesse ponto, acho que a Team Cherry realmente pesou a mão. Não foi à toa que a comunidade da Steam rapidamente fez um mod que diminui o dano duplo para único (meu irmão precisou ativar essa modificação. Admito que, se o PS5 a tivesse, eu faria o mesmo).
Com isso, ao mesmo tempo em que são exigidas de nossa parte firmeza, cautela e precisão, também precisamos de reflexos, frieza e ousadia para lidar com os chefões mais agressivos, as muitas arenas de hordas de inimigos comuns e os momentos miseráveis que juntam as duas coisas em uma só! Felizmente, estes últimos geralmente são opcionais (o que não me impediu de sofrer neles até vencer).
Eu disse acima que o mundo é vasto, não disse? É o dilema do filme do Spiderman: “meu dom, minha maldição”. OK, não chega a ser uma maldição mesmo, mas um incômodo de ter lugares tão grandes com tantos bequinhos sem saída e sem recompensas relevantes (não, um punhado de rosários e fragmentos de ossos não conta).
É claro que há numerosas surpresas e tesouros em todas as partes. Também concordo que, pensando na diversão e desafio próprias ao videogame, a descoberta e a superação são recompensas em si mesmas. Ainda assim, eu gostaria que derrotar um chefão penoso me valesse mais que alívio, orgulho e fluxo de adrenalina. Você sabe, cairia bem algum presente que tornasse o próximo chefão menos penoso.
Há tantos chefes opcionais no jogo que simplesmente não há recompensas suficientes para dar após cada um. O mesmo vale para as salinhas vazias: muitas vezes tive a satisfação de descobrir passagens secretas apenas para, em seguida, ter a leve frustração de não encontrar qualquer coisa útil nelas e ficar encucado, golpeando a torto e direito, pensando que certamente deveria haver algo ali que eu não estava vendo.
Logo, a vastidão de Fiarlongo resulta ambivalente. É impressionante a quantidade de conteúdo opcional escondida por aí. Áreas inteiras são ocultas, prontas para recompensar a quem procura com afinco e prontas também para correr o risco de nunca serem percebidas por uma grande parcela do público.
É uma arquitetura de mundo admirável e ótima para descobrir em comunidade. Não estou nem falando de guias na internet. Um amigo indicou uma área para mim, enquanto meu irmão comentou sobre um cantinho secreto que eu havia deixado passar. Também ensinei umas coisinhas a eles. Essas conversas e dicas são como a gente fazia antigamente, antes da web acumular todas as respostas.
Em contrapartida, o mundo é excessivamente grande, de forma que a exploração profunda pareça a alguns um problema de ritmo, com demoras na progressão. E, como eu já apontei, há mais desvios e locais secretos do que recompensas para guardar neles.
Percebo que esta análise pode soar como desabafo. No fundo, talvez tenha um pouco disso, mas, como disse antes, vejo como expressão de um debate necessário no universo do game design. Não se engane, Silksong é variado, divertido, encantador, surpreendente, sofisticado e fascinante. Frustrante? Sim. Excessivo? Também. Mas uma característica não anula a outra. O lado bom vence no saldo final.
Silksong é tão bom que a tendência aos excessos macula sua excelência apenas um pouco, mantendo-se como uma obra grandiosa que, tal qual seu antecessor, será referência em seu meio. Em termos práticos, isso me impede de dar a nota perfeita, mas a percepção clara de como essa obra-prima paira em um ponto acima das outras que a cercam ainda a mantém como um destaque inegável.
Hollow Knight: Silksong está disponível para PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series, Switch, Switch 2 e PC com legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com uma cópia digital adquirida pelo redator.