Análises

Dead Reset – Review

Antes de entrar de cabeça na análise de Dead Reset, mais nova produção FMV (ou full motion video) live action da Wales Interactive, faço aqui uma confissão: eu adoro ótimas histórias, com valor de produção respeitável e que é reconhecidamente bem executado tanto na técnica quanto na essência narrativa audiovisual; e gosto mais ainda do extremo oposto, uma espécie de guilty pleasure em obras questionáveis, o que me atrai automaticamente para o que eu sabia estar me esperando aqui.

Depois da experiência de ficção científica futurista desenvolvida em The Complex e da investida na ação oitentista de Mia and the Dragon Princess, é no terror de criaturas onde Dead Reset encontra seu principal tema, sem abrir mão de uma certa mitologia futurista que acaba tornando esta a produção que mais se aproxima de uma estética de videogames dentre todos os citados.

Sem qualquer memória dos motivos que o trouxeram até este momento, o cirurgião Cole Mason desperta em uma instalação de pesquisas e se vê convidado (com uma arma apontada para sua cabeça) a realizar uma operação de emergência por um motivo bem pouco convencional, o que, como é de se esperar, não funciona com seus captores esperavam.

Somos apresentados então a um núcleo de personagens nada amistosos que claramente não conseguem lidar com resultados inesperados em um experimento que, resumidamente, tenta quebrar com alguns conceitos de espaço e tempo. É aqui onde começamos a fazer escolhas que definirão o destino do nosso herói, bem como o de seus companheiros não solicitados.

Não demora para que nós, tal como Cole, descubramos que decisões erradas são o estopim para uma morte arrasadora, só para em seguida despertarmos em um loop temporal do qual só nós nos lembramos. É nesse ponto onde a proposta do game se prova uma mistureba entre alguns filmes clássicos, como o indelével Feitiço do Tempo, o sucesso No Limite do Amanhã, e coisas menos celebradas, como o bom A Morte Te Dá Parabéns e a adaptação cinematográfica do videogame Until Dawn: Noite de Terror.

O artifício do reinício após uma morte horrível, portanto, não é das coisas mais novas ou originais, e se alimenta do princípio da nova chance tão essencial nos videogames. Curiosamente, esta é a característica de maior fragilidade em Dead Reset, uma vez que as decisões significativas feitas aqui se distanciam da sensação de insegurança para com a saúde do personagem principal, já que se ele fracassar, volta de um ponto seguro.

Em outras palavras, se uma escolha equivocada o levar a uma morte horrível, retornamos ao último checkpoint para reavaliar nossas opções, o que naturalmente desvaloriza o perigo que insiste, de modo artificial, em parecer iminente. As bifurcações realmente importantes são decisivas para manter vivos (ou não) os demais componentes do grupo ao qual Cole pertence de forma não opcional. Suas alianças e conflitos com essa galera é o mote para os diferentes finais possíveis.

E se a definição de quem vive ou de quem morre dentre seus companheiros é o que deveria nos trazer peso dramático para cada decisão, o estabelecimento dos relacionamentos sofre com um mal muito maior do que a cafonice das situações narrativas ou a atuação sofrível de um elenco nada estrelado: todos os personagens do jogo são simplesmente odiáveis nos mais diversos níveis, o que resulta em uma empatia mínima por todos eles.

Não à toa, sempre que havia a opção de sacrificar um deles, atirar ou deixá-los à própria sorte, não tive qualquer hesitação. Da grande mente por trás das pesquisas ali realizadas ao chefe de segurança; do pretenso interesse romântico ao psicólogo bufão da equipe; a vontade é abandoná-los e, de preferência, ajudar a conduzi-los para fins dolorosos, com requintes de crueldade.

A exceção é, de uma forma confusa e quase cômica, o tal monstro que aterroriza a instalação. Sua aparição é escancaradamente inspirada em Alien, O Oitavo Passageiro, outro clássico dos cinemas que está em destaque atualmente pelo seriado Alien Earth. Pela evidente diferença de investimentos, porém, Dead Reset almejou o xenomorfo, mas acertou numa versão mais desengonçada do personagem Mal, do Castelo Rá-Tim-Bum.

Seguindo a regra do quanto pior melhor, o jogo desenvolve todo um charme de produção de baixíssimo orçamento se apoiando, portanto, em efeitos práticos, com uma criatura trabalhada na borracha, bem como muito sangue falso jogado na parede. O terror e o suspense dão espaço a uma aventura quase pastelão, uma sátira de si mesmo, onde nada parece ser feito para ser levado tão a sério assim.

O quão intencional é essa espécie de auto paródia fica difícil definir. Entretanto, é nesta abordagem onde está a maior força do jogo. Não se passou sequer meia hora e eu já estava decidido a escolher as opções mais esdrúxulas possíveis não pela expectativa de um bom desfecho, mas sim de ver as situações absurdas acontecendo na tela. Na pior das hipóteses, Cole morreria e tudo voltaria a um ponto anterior, então não havia risco ou gravidade. Não existia a chance de um final precoce, como Black Mirror: Bandersnatch ensinara.

A estratégia diegética para tornar isso possível é rasa, mas eficiente: a cada trecho, há um ciclo que se reinicia com o soar de um misterioso alarme, que basicamente estabelece o corte de checkpoint. Esse evento dá ao nosso personagem principal estranhas visões de um futuro próximo, antecipando algumas consequências possíveis, poder este que acaba sendo parte do mistério por trás de sua presença ali. Morrer a partir deste ponto nos traz de volta a esse momento, não ao começo da história.

Por outro lado, outras mortes que tiverem ocorrido se tornam, ao atravessar cada um destes ciclos, permanentes. Ou seja, se sua chefe de manutenção for massacrada e você chegar ao novo ciclo, o fim dela é definitivo. Se nós falecermos antes, ela estará lá novamente no reinício. Parece confuso, mas acaba sendo uma solução simples para tentar dar algum impacto às decisões.

Para não dizer que cada colega é só um recipiente entupido de estereótipos, há sim um sistema de relacionamento similar ao que vemos nos jogos da Supermassive Games. Cada decisão contextual nos aproxima ou nos afasta dos demais em uma barra de vínculo, que no final importa muito pouco para além de uma sensação de salvar ou deixar morrer alguém mais ou menos íntimo.

No mais, o modelo de jogabilidade se baseia sempre em duas opções em tela, que normalmente são pautadas por um timer com a janela de tempo durante a qual temos que optar por um ou outro caminho. Essa pressão pode ser aliviada acionando a função “streamer” nas opções do jogo, o que simplesmente retira o prazo e dá ao jogador todo o tempo do mundo para pensar na melhor opção sem pressa.

Mesmo com todas as limitações (propositais ou não), como eu disse lá no começo do review, me interesso bastante por esse tipo de produção explicitamente barata e intencionalmente canastrona, algo que eu já tinha defendido em outras oportunidades. Dead Reset testou meus limites e me trouxe momentos de muita diversão tosca, me prendendo por dobrar a aposta no absurdo sem vergonha de si.

As atuações são hilárias no estabelecimento de arquétipos unidimensionais, e a ambientação se alimenta de cenários improvisados, mas cheios de um charme de filme estudantil de baixo orçamento. As limitações são refletidas até mesmo nas mortes pouco convincentes e nos efeitos de dilacerações que obrigam diretores e equipe técnica a buscar soluções de decupagem criativa.

O resultado de tudo isso é claramente barato, mas com uma certa personalidade e um charme único, algo ausente em outras tantas produções muito mais caras, mas pasteurizadas e sem alma. Por mais que se pareça com um filme universitário de baixo orçamento, há uma textura explicitamente trabalhada pela direção de arte suja e pela fotografia granulada que definitivamente evidenciam pouco apuro técnico, mas uma certa paixão.

Não é um produto, porém, que deve agradar a todos. Tanto pela dinâmica interativa limitadíssima com raras entradas do jogador, quanto pelo roteiro raso e pouco criativo (mesmo com a mescla entre o horror e contradições temporais) não é uma história que se possa chamar de cativante, imersiva ou impactante. É uma produção de nicho, que se aproveita de suas limitações, mas não faz muito para superá-las.

Dito isso, Dead Reset tem tudo para agradar quem curtiu, de uma forma ou de outra, as produções anteriores do estúdio. Há aqui uma coerência conformada na linguagem interativa e no modo de se contar histórias que se estabelece cada vez mais como um estilo único e diferente daquilo que outras desenvolvedoras estão fazendo. Para quem, contudo, torceu o nariz para o que veio antes, este não é o jogo que mudará julgamentos.

Dead Reset está disponível para PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series, Switch e PC com legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão para PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Wales Interactive.

Veredito

Recomendar ou não o filme interativo Dead Reset não é uma tarefa simples, porque aproveitá-lo é uma questão da disponibilidade para se assumir certos gostos duvidosos. Se a expectativa é por uma produção com critérios de qualidade cinematográfica, este definitivamente não é o melhor lugar a se visitar, mas se a ideia é se divertir com atuações típicas de filmes B dos anos 1980, narrativa deliciosamente clichê e escolhas cada vez mais absurdas, há uma pedra bruta a ser descoberta aqui.

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