Análises

Heretic + Hexen – Review

Não há dúvidas sobre a validade dos questionamentos da necessidade desta indústria estar requentando praticamente tudo que um dia já foi relevante ou minimamente popular, diminuindo investimentos e riscos em produções originais e, ao mesmo tempo, maximizando os lucros certos, sustentados pela nostalgia. Contudo, há que se analisar uma série de variáveis desta equação, porque como bem diz o ditado, há casos e casos.

E o caso de Heretic + Hexen, originalmente desenvolvidos pela competentíssima Raven Software, e a mais nova investida em relançamentos promovida pela excelente Nightdive Studios (de vários relançamentos recentes como The Thing: Remastered, Star Wars: Dark Forces, DOOM + DOOM II e  Remaster e System Shock 2: 25th Anniversary Remaster), desta vez em parceria com a Bethesda, é emblemático ao resgatar, sem muito alarde ou antecipação, dois dos mais importantes títulos dos anos 1990 que estavam enterrados pelo tempo.

Naquela época, o sucesso estrondoso de DOOM resultou, como sempre, em uma infinidade de propostas parecidas surgindo por todos os cantos. Lembro-me bem de fazer de tudo para conseguir rodar com muito custo projetos como Quake e Blood, cada qual com suas potencialidades, mas todos moldando, a sua maneira, o que décadas depois estaríamos chamando de boomer shooters.

Hexen e Heretic, por sua vez, conseguiram sublimar a pecha de meros clones de DOOM estabelecendo para si identidades próprias e, consequentemente, uma repercussão considerável, gerando cada qual sua sequência e chegando aos consoles de seu tempo, sendo as versões de Playstation e Saturn inferiores ao que o Nintendo 64 podia entregar em termos de desempenho até então.

Esta mais nova retomada surge de uma proposta estratégica curiosa, já que ao invés de serem relançados em sua dualogia original, ambos vem em um pacote que inclui o primeiro jogo de cada franquia, mais complementos originais (Hexen: Deathkings of the Dark Citadel), além de novas fases desenvolvidas exclusivamente para este lançamento (Heretic: Faith Revived e Hexen: Vestiges of Grandeur), o que de certa forma cria um vínculo existencial entre as duas marcas.

Independentemente dos responsáveis, futuramente, desenterrarem Heretic II e Hexen II, quem sabe em uma nova coletânea; ou ainda decidirem investir, dependendo da reposta do público, em versões modernas destes clássicos, o trabalho feito aqui é dos mais respeitáveis no difícil equilíbrio entre resguardar o produto original e interferir com ajustes refinados para que eles possam ser apreciados hoje, 30 anos depois, seja pelos veteranos, seja por um pretenso novo público.

Cronologicamente, Heretic veio antes, em 1994, e mesmo que claramente consigamos identificar sua óbvia inspiração, a transposição da ambientação para um espaço de fantasia medieval é um charme absurdo. Ao adentrarmos uma aventura repleta de magia e criaturas fantásticas, toda a dinâmica de ação ganha contornos de originalidade e frescor.

Logo de cara, as convenções mais modernas parecem se encaixar perfeitamente no modelo de jogo, com a movimentação em um analógico e o controle de câmera no outro funcionando de modo familiar e confortável. O uso da funções giroscópicas do controle, permitindo o olhar de acordo com o movimento das mãos, tem sua serventia, ainda que pessoalmente isso me deixe um tanto quanto desorientado em sessões alongadas.

O mesmo vale para um sistema de combate que mantém o frenesi em alta rotação, favorecendo a movimentação constante e o controle do campo de batalha pela agressividade. O fato, porém, de manter a lógica de que a trocação franca é uma escolha capenga e que é importante se manter distante das garras inescrupulosas de inimigos cada vez mais fortes, é importante para manter a essência da produção.

Hexen veio um ano depois, em 1995, com uma ambientação muito parecida, possibilitando inclusive a escolha de personagem baseada nas classes guerreiro, clérigo ou mago, cada qual com atributos distintos e modos diferentes de se abordar o combate. Sair na porrada com um brutamontes pode nos expor mais aos ataques próximos, mas buscar a distância das magias do mago custam caro quando a defesa se faz necessária.

A decisão não é definitiva e há certos pontos, normalmente localizados em hubs centrais, onde podemos mudar o nosso personagem, o que é bastante útil para nos adaptarmos a situações específicas. Usar o mago em espaços apertados demanda muito trabalho e eles geralmente se saem melhor em cenários abertos, algo inversamente proporcional ao uso do guerreiro, enquanto o clérigo, que acabou se mostrando minha escolha favorita, é um bom meio-termo, um pau pra toda obra.

O maior trunfo de Hexen em seu lançamento é também o aspecto que envelheceu como vinho: seu intrincado level design, que abusa das fases interconectadas, das passagens secretas e dos puzzles compartimentalizados. Chegar a um local novo pode ser um tanto quanto assustador pela quantidade de pontos de acessos que fatalmente deverão ser explorados quando chegar a hora, mas bastam minutos para se perceber o quão natural e fluida é a progressão.

As facilidades disponibilizadas para quem está chegando agora ou para quem está um tanto quanto enferrujado e mal-acostumado são generosas, mas relativas. O salvamento, por exemplo, precisa ser utilizado com parcimônia para evitar armadilhas, como por exemplo criar um ponto de save quando se está em desvantagem ou com a barra de vida baixa.

Isso porque ao cairmos, retornamos automaticamente ao último ponto salvo, que pode ser automático, no início da fase ou depois de um evento importante, ou pode ser um save manual, o que veio por último. Eu, por exemplo, acabei criando um checkpoint quando estava com 3% de vida prestes a enfrentar uma horda, e o resultado foi um ciclo interminável de mortes seguidas, até decidir retornar a um arquivo anterior, precisando refazer muita coisa que já tinha sido superada.

Ainda que exija cuidados assim, Heretic + Hexen é bastante cuidadoso e convidativo mesmo para quem tem um certo receio com jogos do gênero, a começar pela oferta de cinco níveis de dificuldade. Além disso, em seu nível padrão, por mais que se queira acreditar que o tempo e a experiência tornaram o desafio mais palatável, é seguro afirmar que ambos foram amenizados, salvo que as fases finais continuam dando um bom trabalho.

A acessibilidade, em seu significado mais abrangente, também se traduz em várias opções que melhoram a qualidade de vida e a adaptabilidade para diferentes perfis de jogadores, seja com ajustes em efeitos específicos, seja em opções complementares em relação ao formato de tela, ao HUD (que pode ser mais purista ou um pouco mais clean) e ao sistema de mapas, com direito a marcações e dicas para evitar a sensação de não saber para onde ir.

Até mesmo as trapaças estão habilitáveis via menu de opções, mas a notícia importante mesmo é a disponibilidade dos jogos em uma gama enorme de idiomas nas legendas, inclusive o nosso bom e velho português. Tudo isso, é bom que se diga, não reinventa aquilo que havia de mais grosseiro nos jogos originais, mas o alimentam para que ele seja aqui, em sua forma definitiva, aquilo que deveria ser desde sempre.

E se jogar as campanhas antigas e os novos complementos não forem conteúdo suficiente, o pacote ainda traz para cada uma das IPs um modo multiplayer para se compartilhar on-line com até 16 pessoas, e acaba sendo fácil de se conseguir participar já que há a opção cross-plataform, mas é difícil de acompanhar porque diferente da versão single-player, as pessoas reais são implacáveis e a conexão ainda oscila; e localmente, para até oito pessoas, algo suportado com tranquilidade pelo Playstation 5.

Isso porque a base do jogo, que roda em uma espécie de aprimoramento do motor gráfico original de DOOM, é bastante sólido e recebeu alguns ajustes que ampliam a qualidade que, ao mesmo, como dito antes, não contaminam a essência original e o charme de suas construções blocadas e pixeladas. As texturas são o puro suco do auge do gênero, enquanto a movimentação é fluída e suave, com um ótimo trabalho de profundidade e combate.

A iluminação, porém, ainda precisa aparar certas arestas, com cantos por vezes escuros demais e degradês esquisitos. Por mais que sejam sim jogos sombrios que flertam com o terror em várias passagens, há partes onde a sutileza e a criação de um clima soturno acabam dando lugar ao vazio absoluto, causando muito mais desorientação do que tensão.

Completam o pacote uma extensa galeria de artes conceituais que faz abrir um sorriso de orelha a orelha em qualquer fã, além da possibilidade de optarmos entre a trilha sonora original e uma versão remixada pelo artista Andrew Hulshult, o mesmo que fez um ótimo trabalho em DOOM + DOOM II no ano passado. Tudo isso como mais um indício do cuidado e da reverência para com as obras originais e sua importância para o cenário atual.

É por todas estas características que, insisto, nem todo material reavivado pode ser visto como só mais uma remasterização básica para se ganhar algum dinheiro em cima dos fãs emocionados e saudosistas, por mais que este elemento faça parte do jogo comercial e da equação de qualquer decisão estratégica. Heretic e Hexen são verdadeiras preciosidades que merecem um trabalho de preservação e resgate, algo realizado aqui com muito bom gosto e respeito ao trabalho original.

Heretic + Hexen está disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series, Switch e PC com legendas em português do Brasil. Esta análise foi produzida jogando no PS5 e realizada com um código fornecido pela Bethesda.

Veredito

Por mais que possa parecer só mais um produto requentado para extrair um lucro fácil pela nostalgia, Heretic + Hexen é a forma definitiva de se apreciar dois dos mais importantes jogos do gênero em sua máxima potência. Atualizações pontuais de acessibilidade e qualidade de vida muito bem-vindas, que agregam valor ao que já era incrível, tornam este pacote uma adição de biblioteca indispensável tanto para fãs antigos como para novos interessados.

90

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