Análises

The Last Camp – Review

Jogos de sobrevivência em um mundo pós-apocalítico decorrentes de um desastre zumbi (ou algo que o valha) não é exatamente o que se pode chamar de original, mas confesso que é uma das minhas fraquezas, um prazer culposo por assim dizer, não só pela obviedade dos grandes expoentes, como The Last of Us, Days Gone, S.T.A.L.K.E.R. ou Dead Rising, mas também por coisas menos óbvias, comoo maravilhoso Dead Nation e o inusitado Deadcraft.

Curiosamente, o game isométrico The Last Camp, que chega agora para o Playstation 5, acaba sendo uma espécie de mistura entre estes dois últimos, somando a ação dos jogos típicos do sub-gênero twin-stick shooter contra hordas de desmortos, com a gestão de recursos, a coleta de consumíveis e o planejamento típicos dos games de sobrevivência clássicos.

The Last Camp

Partindo narrativamente do lugar mais comum possível – sob os escombros do que sobrou da humanidade depois de sermos devastados por uma praga que tornou quase toda a população mundial em um exército de mortos-vivos – assumimos a pele de um sobrevivente customizável sem nome que precisa se virar com o que tem em mãos para lidar com a falta de suprimentos e tentar viver mais um dia.

E por mais que a premissa seja confortavelmente bastante reconhecível e se pretenda assim, ela não deixa de ser uma das grandes (muitas) decepções do game. Nada aqui é realmente interessante, e cada nova missão é um amontoado dos piores clichês possíveis, passando pelo resgate de aliados, busca por equipamentos e outras tarefas de leva-e-traz vazias e insignificantes para a imersão.

 

Diferente da ambientação estabelecida por outras produções similares, que conseguem encontrar uma certa identidade em meio às conveniências desta história batida, The Last Camp é a definição enciclopédica do conceito de genérico. O esforço em tentar extrair algo de diálogos pífios, encontros e situações corriqueiras para este review foi a única coisa que me impediu de pular diálogos desde o primeiro instante.

Personagens NPCs estereotipados, como o chefe, o vendedor de armas e um bando de soldados sem alma são só a ponta do iceberg modorrento que o fio narrativo tenta empurrar como uma construção de universo. Não bastam as parcas conversas sonolentas, mas as interpretações em voz transparecem o pouco cuidado (ou investimento) neste aspecto do jogo.

Não que o tema do apocalipse zumbi seja recheado de enredos sofisticados e dignos das maiores jornadas já contadas, mas acredite: mesmo diante a pouca criatividade presente em um sem-fim de coisas que já jogamos, este está muito abaixo da média. Algo que não precisaria ser necessariamente um problema dado o formato do jogo, não fosse sintoma do mesmo tratamento dado a outros quesitos fundamentais.

O sistema de combate não é diferente de qualquer outro jogo que se aproveita do modelo onde o analógico esquerdo cuida da movimentação enquanto o direito é livre para apontar a direção da ação, algo que se aproveita bem de uma liberdade dada ao jogador em correr e atirar para lados independentes um do outro.

Completam o pacote padrão do gênero o uso dos gatilhos para mirar e disparar; botões de ação para interação, recarga de munição, cura, alternância entre armas de fogo, e esquiva; e botões de ombro para granadas, minas e outros movimentos especiais com cooldown. Tudo é tão familiar que quem já jogou qualquer coisa parecida sabe até onde estes comandos estão mapeados no DualSense.

E por mais que o timing de cada ação possa demandar um certo costume, tudo funciona como deveria, só que muito menos instigante do que qualquer outro referencial. A sensação que tive ao longo das poucas missões da campanha central era de estar jogando algo que eu já tinha experimentado em outras ocasiões, só que sem a mínima sensação de descobrimento.

 

Zumbis comuns? Tem aos montes, inclusive saindo de portas, caindo de telhados ou invadindo por algum buraco qualquer no cenário. Aqueles grandões mais difíceis? Tem também. Alguns mais rápidos? Estão lá. Chefes brutamontes como criaturas mutantes melhoradas? Pode ter certeza. A presença de alguns adversários meio inusitados usando armas ou roupas de isolamento adiciona pontos ao jogo, mas absolutamente nada tem qualquer traço de identidade ou alguma tentativa de se diferenciar. É um jogo que segue a receita, aposta no seguro e não vai além do protocolo.

Isso transborda para os sistemas de crafting (ou coleta de recursos) espalhados em caixas jogadas pelos cenários lineares de cada missão, e quando muito escondidas em algumas bifurcações limitadas. É assim que se acumula óleo, água, metais e tudo o que se precisa levar de volta para criar novos equipamentos, melhorar os antigos e, de forma geral, reabastecer nosso acampamento combalido.

Explorar cada novo local é um amontoado de frustrações e, por mais que cumpra o seu papel ao nos levar do ponto A ao ponto B com algumas paradas obrigatórias para enfrentar hordas (como – surpresa! – sobreviver por alguns segundos até o resgate chegar), os locais que visitamos, como estações de trem, bairros residenciais destruídos ou ruínas amorfas são, além de tudo, cheias de paredes invisíveis, portões abertos pelos quais não de pode passar e portas trancadas só pra compor cenário.

Ainda assim, a ambientação é muito provavelmente uma das melhores qualidades da obra. Cenários noturnos contrastam com ações em plena luz intensa do dia, nos colocando para enfrentar inimigos de todos os tipos em locais planejados para uma ação intensa e frenética, oferecendo uma certa adrenalina quando o tiroteio começa.

O tal acampamento, a “estrela” do game pelo que se poderia esperar pelo seu título, é… exatamente o pouco que se pode esperar disso. Funcionando como hub de onde partimos para cada tarefa, tem os pontos de interesse (que vão se incrementando conforme avançamos na campanha) que funcionam para comércio de peças, recursos e equipamentos, locais para melhoria de roupas e armas e um tal de Chefe João, que nos apresenta para a próxima missão.

Há atividades extras em explorações distintas da linha principal, entretanto, com recompensas mais recheadas. Assim que começamos a trazer mantimentos apresentados em listas para cada espaço ainda por construir, nosso lar começa a se tornar um pouco mais interessante, e se não chega a ser um espaço realmente personalizável, ao menos nos dá uma sensação leve de evolução.

Melhorar aquilo que temos tem lá sua serventia, já que partir para o que vem adiante demanda que estejamos no ápice de nossas capacidades. Uma vez vencida uma fase, é fundamental fazer todo o possível para ter a melhor arma e tudo o que podemos levar para não ficar pelo caminho. Se por um lado, é tão óbvio quanto todo o resto, ao menos funciona de forma equilibrada e nos atende à contento ao menos para preparação, já que não há qualquer outro atrativo ou ao menos bonito aqui.

Sim, porquê também no caráter audiovisual tudo aqui é tão batido que não fosse o fato de estarem ilustrando uma análise do jogo, as capturas de tela que você tem visto dificilmente seriam identificáveis. Pelo copo meio cheio, é uma modelagem tridimensional que atende aos preceitos do ponto de vista adotado, com boas texturas, modelos humanos razoáveis e uma certa riqueza de detalhes que agrega um certo valor de produção.

 

E se o trabalho por vozes, do qual já falei, é um conjunto de leituras protocolares do texto fraco, a sonorização não fica atrás no que se refere ao seu caráter ordinário, com imersão pífia, ruídos típicos de bancos abertos de som e uma música esquecível. E mesmo que ignoremos os engasgos, é fácil afirmar que isso, como todo o resto, é um grande amontoado de mais-do-mesmo.

Aliás, fica evidente que The Last Camp não é necessariamente um jogo ruim. Antes fosse, porque eu espero que ideias um pouco mais ousadas arrisquem ir onde poucos foram, mesmo que fracassem nisso. Aqui, tudo é tão insípido e esquecível que tive que me esforçar para relembrar o nome do jogo algumas vezes enquanto escrevo este texto, e provavelmente ele se perderá na minha memória assim que este trabalho for publicado.

Fiquei me perguntando, enquanto jogava e também enquanto escrevia, se estava sendo rígido demais com o trabalho aqui apresentado, mas basta uma pequena olhada no pouco cuidado com a versão que chega ao público final para entender o desleixo. Um dos principais personagens do jogo, por exemplo, se chama “nomear”, como pode ser visto algumas imagens atrás.

A tradução para o português é uma boa adição para nós brasileiros, sem dúvida, mas nos primeiros segundos, percebemos a mistura de algumas caixas de texto em um idioma oriental. A qualidade da tradução é horrenda e claramente automatizada. O jogo tem ainda alguns pontos de travamento durante o carregamento, inimigos enroscando em cantos fáceis e outros bugs descuidados. Não foi só uma vez que fiquei preso em um desnível e fui obrigado a reiniciar o nível perdendo meu progresso. Falta um mínimo refinamento até estar mais apresentável para o público.

Curiosamente, a salvação desse tipo de jogo está na possibilidade de se jogar localmente com mais pessoas, algo que aqui também está permitido, mas nem isso consegue mudar a percepção de que ele não traz qualquer sentimento de interesse. É quase constrangedor chamar alguém para compartilhar isso no sofá. Não demora para que olhemos para a nossa biblioteca e resgatemos qualquer outra coisa multiplayer velha. Afinal, se é pra jogar algo já conhecido, que seja ao menos aquelas que são mais interessantes.

Portanto, faltou capricho, faltou personalidade, faltou um pouco mais de coragem para que o jogo pudesse ter uma chance de ser algo para além de um amontoado de convenções. Não me assustaria se tivesse sido gerado por inteligência artificial em aspectos como gameplay, roteiro e visuais, porque, por mais irônico que o trocadilho possa parecer, é o game de zumbis mais sem vida que surgiu nos últimos tempos.

The Last Camp está disponível para PS5, Xbox Series e PC com legendas em português do Brasil. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela NiuGamer.

Veredito

The Last Camp pode ser definido, em poucas palavras, como um jogo genérico em todos os seus aspectos. Uma narrativa pobre, visuais requentados de produções muito mais interessantes e um gameplay (no máximo) funcional marcam um projeto burocrático, desleixado e sem alma.

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