Análises

Chronicles of the Wolf – Review

Quando séries clássicas entram em longo sono profundo, há uma tendência a surgir os chamados “sucessores espirituais”. Castlevania é um caso desses, pois não desfruta de um lançamento oficial desde os idos do PS3, com Lords of Shadow 2, mais de dez anos atrás.

Dito e feito, os sucessores vieram, sendo o principal deles (até agora) Bloodstained: Ritual of the Night, encabeçado por Koji Igarashi, um dos principais nomes relacionados à série dos caçadores de vampiros da Konami.

Os fãs também colocaram mãos à obra e tomaram para si o objetivo de suprir a longa falta com novos jogos. Uma desenvolvedora importante dessa vertente é a francesa Migami Games, composta basicamente de Mig Perez e o compositor Jeffrey Montoya. A dupla criou Castlevania: The Lecarde Chronicles em 2013 e uma sequência em 2017.

Chronicles of the Wolf

Enquanto o primeiro é um “classicvania”, isto é, dividido em fases como os primeiros jogos da série, Lecarde Chronicles 2 tomou o rumo metroidvania e obteve bom reconhecimento no nicho, além da aprovação de Igarashi e a permissão da Konami de usar a franquia, com a condição de que suas obras não sejam comercializadas.

O próximo passo da Migami Games foi sair da área de fan-game e produzir um sucessor espiritual, ou seja: basicamente um Castlevania com outro nome e sem Drácula. Assim, Mig pode não apenas vender sua obra como também lançá-la nos consoles.

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Quem não tem vampiro caça com o que? Lobisomens, é claro! Essa é a abordagem de Chronicles of the Wolf, que teve a interessante ideia de usar a história real da Besta de Gévaudan. No século XVIII, a região de Gévaudan, na França, foi assolada por uma fera não identificada (provavelmente, mais de uma) que matou cerca de 100 pessoas ao longo de três anos.

Esse é o fato, mas sua condição nunca objetivamente solucionada deu asas à ficção, aprofundando o mistério com teorias da conspiração, como no filme O Pactos dos Lobos, de 2001 (é do mesmo diretor do primeiro filme de Silent Hill e na época eu achei legal, mas não sei dizer hoje; está disponível no Prime Vídeo).

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Chronicles of the Wolf coloca o lobisomem já na capa do jogo e segue a linha de que havia mãos humanas por trás dos ataques, uma trama que precisará ser desvendada pelo jovem Mateo Lombardo, cavaleiro da Ordem da Rosacruz e único sobrevivente de um pelotão dizimado pela Besta.

À primeira vista, a superfície se assemelha mais a um classicvania como Rondo of Blood, mas com uma pixel art detalhada mais ou menos como nos jogos de Nintendo DS. Eu não gosto da paleta de cores pouco vívidas, mas vejo que ela funciona bem para a estética pretendida em um misto de atmosfera de horror e gráficos retrô de fins dos anos 1990.

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O rapaz de nome italiano segue o estilo Belmont de caminhada rígida e vigorosa, sem coordenação motora para andar e atacar ao mesmo tempo. Dessa forma, o combate segue a cadência de buscar o posicionamento correto para bater de frente antes de se afastar dos golpes das criaturas. Não tem esquiva nem corrida, mas dá para cruzar os cenários com boa velocidade ao deslizar pelo chão repetidas vezes. É uma estratégia feia e meio cômica, além de ter que ficar esmagando o botão de deslizar? É, mas resolve a questão da velocidade.

A estrutura segue o formato metroidvania de áreas interconectadas. Em vez de se manter apenas dentro de um enorme castelo, porém, Mateo explora primeiro o interior de Gévaudan, com três vilas distintas, florestas, pântanos, cemitérios, mansões e castelos.

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A variedade de cenários é um dos benefícios desse formato e o resultado é como se Order of Ecclesia mantivesse todas as suas áreas separadas em uma continuidade única, concisa e muito eficiente, sem excessos desnecessários. Tudo isso converge, é claro, para o já esperado enorme castelo, o que não poderia ficar de fora de um sucessor espiritual desse nível.

O que realmente me surpreendeu foi o quanto o design de exploração é profundo, divertido e capaz de trazer grande sentimento de realização quando descobrimos o que é preciso fazer para progredir. São muitas as habilidades e itens que desbloqueiam caminhos aqui e ali, concatenados em uma cadeia de eventos que valorizam a memória e a dedução de quem joga. Tem até um sistema de dia e noite, o que é legal, mas pouco relevante. Como o mapa é demasiado simples e não tem marcadores, recomendo usar capturas de tela para registrar os locais aos quais você pretende voltar mais tarde.

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Houve um momento em que fiquei perdido e revirei toda a região anterior ao castelo umas três vezes até entender o que tinha que fazer, o que me proveu um item e me levou a uma sequência lógica na qual uma coisa levou à outra e várias pontas soltas foram se conectando rapidamente. Mesmo sem qualquer lista de missões para seguir, o design da campanha é muito intuitivo e as dicas estão lá para quem quiser ver, escritas em placas e diálogos pelo jogo. Em resumo, é uma jornada desafiadora, mas justa e nunca sadicamente obscura, exigindo apenas boa atenção e raciocínio (não esqueça das capturas de tela!).

Apesar da intenção de experiência retrô, não senti que a dificuldade fosse exagerada ou injusta, alcançando um ótimo balanceamento entre desafio e punição. Como não há salvamento automático e a morte significa perda de todo o progresso desde o último ponto de salvamento, alguns trechos me levaram a repetições frustrantes, que podem desagradar parte do público. Isso foi uma consequência da distância entre certos pontos de salvamento, mas não me desmotivou a continuar e tentar novamente, munido de mais cuidado e mais itens de cura.

No final de tudo, levei cerca de 19 horas para chegar ao final verdadeiro, com 99% de completude. Após isso, foi aberta a seção de extras no menu principal, com teste de som para ouvir as músicas do jogo e um Boss Rush bem difícil.

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Ter uma abordagem “velha-guarda” prejudica Chronicles of the Wolf na questão das opções. No menu inicial só podemos selecionar o idioma (português brasileiro incluso) e remapear os comandos principais. Não tem nem mesmo o já costumeiro ajuste de brilho e volume de música, voz e efeitos sonoros (eu aumentaria a voz). Como os textos usam letras estilizadas, também seria bem-vinda uma opção em HD para facilitar a leitura de parte do público. Espero que a Migami considere implementar algumas benesses do tipo.

Chronicles of the Wolf tem dublagem nos pontos principais da história, que, intencionalmente, tem um ar meio canastrão de jogo antigo. O narrador, inclusive, é dublado por Robert Belgrade, a voz original de Alucard na versão norte-americana de Symphony of the Night. Ele já havia repetido o papel do filho de Drácula em Lecarde Chronicles 2 e também no “clone” Orlok Dracule, em Bloodstained: Ritual of the Night.

E a trilha musical? É excelente, sendo variada, marcante e produzindo ótima contribuição para a atmosfera do jogo, igualando sua qualidade de estar à altura das fontes de inspiração.

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Honestamente, quase deixei Chronicles of the Wolf passar porque, em geral, prefiro movimentação ágil e acrobática nos meus metroidvanias. Além disso, acho que, hoje em dia, os Castlevania de GBA e DS são jogos apenas bons, mas não especiais – ao menos, não como Symphony of the Night. Foi uma grata surpresa, portanto, o quanto Chronicles of the Wolf superou minhas expectativas, sendo um sucessor espiritual realmente digno de ser considerado especial.

Chronicles of the Wolf está disponível para PlayStation 5, Xbox Series, PlayStation 4, Xbox One, Switch e PC via Steam. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela PQube.

Veredito

Chronicles of the Wolf é um magnífico sucessor espiritual para os Castlevanias que seguiram a estrutura metroidvania. O jogo me surpreendeu continuamente com a profundidade da sua exploração, que é ao mesmo tempo desafiadora e intuitiva. O lado retrô da experiência pode acabar intimidando parte do público mas, se você gosta de plataforma lateral de ação em geral, não deixe essa rica e sombria aventura passar despercebida.

90

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