A história dos videogames é algo que considero fascinante. E algo que sempre foi um marco para qualquer empresa do ramo era uma colaboração com a sua principal rival. Por exemplo, Sonic sendo lançado em um console Nintendo é algo que ninguém jamais imaginaria nos anos 90. E um jogo que mistura os universos da Capcom com os da SNK era o sonho de muito fã daquela época também. Em um mundo atual onde temos um Fortnite com todo tipo de colaboração, o ‘peso’ de um crossover não é o mesmo do que já foi uma vez, mas é sempre bom relembrar o caminho que nos trouxe até aqui.
A parceria citada entre a SNK e a Capcom gerou alguns frutos. A Capcom, por sua vez, lançou o jogo que você provavelmente conhece: Capcom vs SNK 2 (além do 1, é claro). Lembrado até hoje com carinho, é um título que também aguardamos pelo seu relançamento. Mas e a SNK? Bom, depois de um jogo de cartas e um de luta que ninguém se lembra por estarem no seu portátil de pouco sucesso (Neo Geo Pocket Color), tivemos SNK vs. Capcom: SVC Chaos.
SNK vs. Capcom: SVC Chaos é um produto que precisa ser analisado de três formas: levando em conta a situação da época, o que o jogo oferece e o seu relançamento em 2024.
Primeiramente, como você talvez saiba, a SNK declarou falência nos anos 2000. A empresa conseguiu se reerguer nos últimos anos, mas quem é fã sabe que foram períodos muito difíceis e de incertezas. SNK vs. Capcom: SVC Chaos é justamente um título do início dessa época. É claramente um jogo feito com orçamento baixo e reutilizando materiais de outros projetos. Mas, ao mesmo tempo, tenta ter a sua identidade própria e também agradar os fãs da Capcom, além da SNK.
SNK vs. Capcom: SVC Chaos é um jogo de luta 1×1. Ao contrário do título produzido pela Capcom e até mesmo da série principal da SNK (The King of Fighters) com focos em lutas 3×3, a companhia decidiu criar um jogo de luta mais simples. Dito isso, vamos começar falando primeiramente dos pontos negativos para depois amenizar a situação com os positivos.
O elenco de SNK vs. Capcom: SVC Chaos é, no mínimo, estranho. É claro, é um número satisfatório (36 jogáveis) e temos várias figurinhas carimbadas de ambas as empresas, mas há também escolhas bizarras como Choi, Hugo, Earthquake e Mars People, por exemplo. Existe a teoria de que a SNK desejava se afastar do que a Capcom havia criado usando esses personagens mais diferentes e, de certa forma, deu certo. Afinal, é o primeiro jogo em que Zero (de Mega Man) aparecia como lutador. Mas continua sendo estranho optar por um Earthquake ao invés de Haohmaru e um Hugo ao invés de Zangief.
Outro ponto ainda sobre o elenco é que os ‘sprites’ (o desenho dos personagens in-game) são reaproveitados dos jogos da SNK. Os da Capcom são todos criados pela própria SNK – algo que, considerando o orçamento do projeto, é de bater palmas. Apesar de ser algo negativo a SNK reaproveitar, sinceramente não os julgo. Em Capcom vs SNK 2, por exemplo, mesmo com mais dinheiro, a Capcom usou aquele mesmo sprite de Morrigan que já era usado desde o primeiro Darkstalkers e a Sakura de Street Fighter Alpha 2 – já naquela época ninguém aguentava mais ver esses reaproveitamentos, mas não reclamavam porque ou era isso ou o personagem era cortado, basicamente.
Por fim, ainda sobre a estética do jogo, vale destacar o carinho que a SNK teve em sua apresentação. Todos os personagens possuem diálogos únicos uns com os outros antes da luta começar (mesmo que seja algo simples em sua maioria) e também todos possuem seus próprios finais no Arcade.
SNK vs. Capcom: SVC Chaos possui um outro problema sério que só começou a aparecer após a dedicação dos jogadores: o seu balanceamento. É um título cheio de combos infinitos com personagens muito bons (Zero e Geese, por exemplo) ou lutadores realmente ruins (Hugo e M. Bison). Uma versão atualizada sem dúvida arrumaria muitas coisas, mas como sabemos nunca aconteceu e o jogo permaneceu “quebrado”. Por ser assim, o game afastou muitos curiosos e não possui uma grande base de fãs.
Outro ponto ruim de SNK vs. Capcom: SVC Chaos é a pouca quantidade de cenários. A trilha sonora também não possui muito destaque. Mas nem tudo é tão ruim assim.
Como já esclarecido, é um elenco com escolhas interessantes, mas SNK vs. Capcom: SVC Chaos tem mecânicas que são bem únicas. É claro: há golpes especiais, diferentes pulos como KOF e os Supers. Mas são as suas mecânicas únicas que se destacam.
Primeiramente, temos o chamado ‘Guard Cancel Frontstep’, que cancela a sua defesa em um dash e permitindo contra-atacar. Além disso, há o Exceed – um Super ainda mais poderoso que só pode ser feito uma vez por luta (não por round) e com a sua vida vermelha (inferior a 50%). Além disso, quando a sua barra chega ao nível 3, ela ativa o MAXIMUM Mode que os jogadores de KOF conhecem, mas de forma automática: enquanto estiver ativa, é possível cancelar golpes especiais em outros. Após se esgotar, você retorna ao nível 2 e não com ela zerada.
Essas mecânicas são divertidas, mas como dito, há muitas brechas para infinitos e determinados personagens se destacarem.
SNK vs. Capcom: SVC Chaos não é um jogo ruim, no fim das contas. Mas é o resultado de uma empresa que não estava bem das pernas e que, por conta disso, não teve o suporte adequado para ser polido.
Vários anos depois, a SNK, em parceria com a Code Mystics, traz de volta esse pedaço da história dos videogames. Como é preciso respeitar a obra original, todas as coisas “quebradas” que citamos continuam existindo, portanto não espere um balanceamento ou algo do tipo.
Mas também não é um simples port. Há um modo online com netcode via rollback (mesmo que não tenha cross-play), uma galeria com as diversas artes criadas para promover o jogo na época (muitas estilosas) e um sistema que possibilita ver as hitboxes (os quadrados que indicam onde o golpe acerta/tem efeito).
São todas adições válidas e que trazem um novo ar ao jogo, mesmo que no fim ele continue sendo o que vimos no passado.
No fim, SNK vs. Capcom: SVC Chaos não é um jogo que fará você se interessar de uma forma competitiva ou que despertará seu desejo de masterizá-lo. Mas é uma lição de história de um título que poucos jogaram ou até mesmo conhecem e, somente por isso, vale a curiosidade para quem é fã de jogo de luta.
Jogo (versão de PS4) analisado no PS5 com código fornecido pela SNK.