PlayStation Vita

Há alguns meses atrás, escrevi um texto (que pode ser lido aqui) falando sobre o potencial do PS Vita como uma plataforma que não gira em torno de lançamentos AAA (com grande orçamento, marketing e favorável recepção crítica), oferecendo bastante espaço para jogos diferentes. Essencialmente, um dono de Vita é um jogador com olhos abertos para títulos muitas vezes invisíveis nos catálogos do PC ou dos consoles de mesa, cheios de jogos com grandes campanhas publicitárias.

Desde então, as capacidades e a coleção de jogos do Vita não mudaram de forma considerável, mas algo ao seu redor se transformou e o tem circundado de perspectivas pouco animadoras. E esse algo parece vir da empresa que o fabrica, a Sony.

A visão da Sony sobre a indústria e o Vita

O primeiro susto começou na E3, quando a conferência da gigante japonesa focou vertiginosamente nos jogos de seu novo console, deixando o Vita como um coadjuvante ou, como os mais ácidos costumam dizer, um controle de luxo do PS4 com o Remote Play. É claro que o portátil não era só isso: ele é também um espaço para usar a PS Now e jogar clássicos da Sony e até jogos de PS3.

Uma visão dotada de certa razão diria que isso nada mais é do que a plena realização do ponto de venda do Vita: ser um portátil capaz de rodar jogos tecnicamente iguais aos de um console de mesa; nada mais correto, portanto, do que rodar os jogos lançados para PS3 ou PS4.

Talvez seja isso mesmo e fãs estejam contentes com a situação criada pela Sony. Contudo, acho que nenhum deles pode negar uma coisa: falta independência ao PS Vita. Não uma independência de jogos, porque o Vita tem muitos e é um aparelho cuja capacidade de armazenamento eu constantemente preciso administrar, tantos são os jogos disponíveis e os que valem a pena ter sempre à mão. Eu falo de uma independência na forma como a própria Sony trata o Vita, na forma como esta planeja o futuro do portátil.

Voltemos à E3 deste ano. Entrevistado pelo site IGN, Andrew House, presidente da Sony Computer Entertainment, disse o seguinte:

“Eu certamente acho que você ainda verá o Vita como uma máquina AAA no Japão, onde ele tem uma função diferente com a dinâmica de consoles daquele mercado. Para mim, isso é dado. É difícil dizer em termos de outros mercados. Eu acho que o Remote Play ainda está em seus primeiros estágios, nós precisamos ter um melhor entendimento. Nós sabemos que muitos jogadores estão abraçando a ideia e usando o Remote Play, e eles parecem gostar muito da experiência, mas isso muda necessariamente a dinâmica. Se você pode jogar conteúdo do PlayStation 4 no Vita quando quiser, isso remove a necessidade de ter conteúdo AAA? Eu acho que essa questão vai permanecer sem resposta por um tempo”.

Na fala de Andrew House, é possível depreender uma clara dualidade: no Japão, o Vita tem independência e recebe lançamentos AAA; no Ocidente, entretanto, o presidente da Sony cogita a possibilidade de ser desnecessário lançar jogos para Vita, visto que ele pode reproduzir conteúdo do PS4. “Necessidade” parece ser o termo fundamental aqui – é como se a empresa desejasse que o portátil fizesse sucesso usando o mínimo de esforço possível.

É essa relutância em fazer esforço especificamente pelo sucesso do Vita que tem corroído a relação entre os fãs do portátil e a Sony: é como se a empresa se desdobrasse apenas pelo PS4.

O motivo para esse aparente abandono pode ser visto na fala de Shuhei Yoshida, presidente da Sony Worldwide Studios, numa entrevista ao site Polygon:

“Quando nós lançamos títulos de PSP, um grande assunto era a qualidade de PS2 nos jogos em nossas mãos (…) Mas, conforme o tempo passou, o PS3 foi lançado e as pessoas começaram a ver jogos da nova geração, aquela qualidade de PS2 não era mais suficiente. A expectativa das pessoas cresceu. Então, quando lançamos o Vita com Uncharted, foi incrível: qualidade de PS3 na sua mão, mas, conforme o tempo passou, você está vendo qualidade de PS4 e a expectativa das pessoas em relação a fidelidade gráfica cresceu”.

Como é possível perceber, os ocupantes de altos cargos da Sony têm uma visão específica da história dos jogos. Segundo ela, se as capacidades de um aparelho ficam distantes do padrão mais elevado da época, seu ciclo de vida está terminado. Isso é, no mínimo, curioso, considerando que os portáteis sempre estiveram abaixo dos consoles em termos técnicos e tiveram ciclos de vida saudáveis e sustentáveis por um bom tempo – isso sem contar os próprios casos em que consoles de mesa tecnicamente mais limitados foram sucesso de venda. Mais estranho ainda soa alguém que trabalha com consoles afirmar isso, sendo que estes amargam com frequência a fama de plataforma obsoleta frente ao PC.

Contradizer a visão da Sony, entretanto, não interessa nem ajuda a entender melhor a situação. O fato é que, sendo baseados nela, os planos de suporte para o Vita não poderiam ser outros: diminuição de jogos first-party, complementada pelo apoio dos indies (que encontraram no portátil um ótimo espaço para vendas), o Remote Play e a PS Now.

Esse prognóstico ficou claro com a Gamescom, em que a Sony divulgou várias franquias novas e parcerias com estúdios diversos para produção de conteúdo no PS4, mas não anunciou nenhum título first-party para o Vita. Muita gente se frustrou e os que anteciparam anúncios depois da E3 concentram agora suas esperanças na TGS.

A conclusão do saldo negativo da Gamescom para os donos de Vita pode ser sumarizada pela fala de Michael Denny, vice-presidente da Sony Worldwide Studios Europa, ao ser entrevistado pelo site Gamereactor:

"Para nós, o Vita ainda é o melhor dispositivo portátil voltado a games que existe. Se você quer jogos portáteis de qualidade, o Vita é para você, e há uma grande quantidade de conteúdo já disponível, e mais conteúdo digital está vindo. Quer dizer, Borderlands 2 ainda virá para a plataforma…(…) Junte a isso a experiência de Remote Play que as pessoas podem ter com o PlayStation 4, e eu acho que ainda é um grande sistema para as pessoas. Em termos de foco do Worldwide Studios, eu acho que você claramente viu que ele será mais no sentido de fazer o PlayStation 4 avançar agora".

Para além do fato de um profissional de tão alto destaque na hierarquia da Sony sequer saber a data de lançamento correta de um dos jogos mais divulgados do Vita, pesa a admissão de que os estúdios da Sony explicitamente estão preocupados antes de tudo com o PS4, restando ao portátil pegar carona com o console graças ao Remote Play.

Assim, as expectativas se tornam cada vez mais sombrias, com a Sony elaborando e cumprindo sua profecia de que o Vita não tem um futuro independente do PS4. Como poderia ser diferente? Como angariar suporte se a própria empresa que gere o portátil não acredita em sua independência?

Uma possível saída

Alguns dos donos de Vita, no entanto, podem ter outra história para contar. O ano de 2014, na verdade, tem sido excepcional em termos de lançamentos first-party exclusivos para o portátil, contando com títulos como Destiny of Spirits, Soul Sacrifice Delta, Freedom Wars e Oreshika: Tainted Bloodlines, o que continua fazendo do Vita um ótimo aparelho de jogos, e cheio de títulos variados.

No entanto, muito pouco se sabe sobre esses jogos, que dificilmente recebem metade da divulgação que deveriam – comparando-os às suas contrapartes nos consoles. Numa época em que impressiona a quantidade de material promocional para games, com certos jogos tendo espaço e trailers novos em diversas apresentações (The Order 1886 e Destiny chamam a atenção nesse sentido), o silêncio sobre outros títulos causa estranheza. Freedom Wars, por exemplo, um jogo em que a Sony investiu e que vendeu de forma excelente no Japão, quase não é mencionado, e deve ser lançado este ano. O quase total silêncio sobre o jogo – só presente em poucas aparições no blog PlayStation – é prova de que a própria Sony não está trabalhando seu material da melhor forma, e tem feito aparecer no vazio jogos que poderiam ter e mereciam maior atenção, caso fosse criada uma atmosfera propícia a eles.

O que esses títulos têm em comum, junto com a enorme maioria dos lançamentos exclusivos de Vita, é serem produzidos no Japão. E da Sony do Japão, como Andrew House afirmou, nós podemos esperar títulos para o portátil. E não só dela, como também da Namco Bandai, da Idea Factory, da NIS e das empresas americanas de localização, como a XSEED, a Atlus e a NIS America.

Se no Japão são produzidos tantos títulos, uma das saídas mais claras para aumentar os jogos de Vita seria a Sony Computer Entertainment of America (SCEA) procurar formas de trazê-los para cá como distribuidora, enriquecendo, assim, o catálogo do Vita e com um gasto muitíssimo menor do que produzindo um jogo do zero, sem tirar o foco do seu precioso PS4.

Nesse momento em que faltam títulos de renome (e que muitos fãs esperam ansiosamente) é hora de fazer apostas mais amplas e ousadas, acreditar na possibilidade de certos jogos vingarem no Ocidente, mesmo que o raciocínio mais usual das empresas deste lado do globo seja desmerecer as possibilidades de sucesso de jogos orientais por aqui.

Neste mesmo ano, tivemos provas de que esse processo pode acontecer e ser proveitoso. Bravely Default era tido pela sua distribuidora, a Square Enix, como um jogo excessivamente japonês, feito por japoneses para japoneses, do tipo que não encontra ressonância no Ocidente. Portanto, não tinha intenção nenhuma de trazer o jogo para cá. A Nintendo, entretanto, talvez por precisar aumentar seu catálogo no 3DS, investiu e resolveu localizar o título.

O resultado, segundo o VGChartz (que contabiliza venda de cópias físicas de jogos), foi que Bravely Default vendeu mais no Ocidente do que no Japão. O acerto da aposta foi grande o bastante para a própria Square Enix refletir sobre sua política de planejamento e concepção de jogos em termos mundiais.

Não seria difícil para a Sony fazer algo semelhante, considerando que trabalha com distribuidoras japonesas há mais de uma década. Se já houvesse esse posicionamento ativo para lançar títulos de outras companhias no Ocidente, talvez a localização oficial de Final Fantasy Type-0 não teria demorado quase três anos para ser anunciada. Graças à inação da Sony, o título ainda será refeito em HD (demandando mais tempo de produção) e não virá para o Vita.

Pensar no que já está feito também não adianta; é melhor pensar no que pode ser realizado: God Eater 2 foi lançado há quase um ano no Japão, ainda não foi localizado no Ocidente e tem fãs esperando para jogar há um bom tempo. A localização de Digimon Cyber Sleuth, mesmo após alcançada a meta de 50.000 de uma petição on-line, ainda é incerta. Phantasy Star Online 2 está há muito atrasado no Ocidente e provavelmente poderia receber ajuda para sair no Vita o mais rápido possível.

Enfim, essas são apenas algumas ideias, tentando mostrar que há espaço para a Sony tentar angariar apoio de third parties que já têm jogos prontos para o Vita, apenas esperando uma localização. Eventuais sucessos com jogos como esses podem chamar a atenção de distribuidoras para o potencial do Vita, inclusive aqui no Ocidente.

Como produtora do portátil, a Sony tem uma responsabilidade com os donos do aparelho que acreditaram no seu suporte contínuo. Se é verdade que fazer jogos AAA é cada vez mais caro e há poucas equipes efetivamente disponíveis, é necessário aproveitar todo apoio que se pode ter e buscar acordos com empresas dispostas. E, uma vez realizados esses acordos, é preciso tratar seu portátil em pé de igualdade com seu console, para que ambos tenham independência.

E você, gostaria de ver algum jogo oriental do Vita vindo para cá? Jogos japoneses poderiam dar visibilidade maior ao portátil? Diga nos comentários o que acha dessa situação do Vita pós-Gamescom.

Winz.io