Beat’em up é, basicamente, um termo que se refere a jogos de ação em terceira pessoa com combates contra inimigos muito mais numerosos e com enfoque em armas brancas ou com as mãos. Além disso, esses títulos contam com alguns elementos comuns, tais quais a restrição de locomoção durante os combates (só é possível circular em uma área restrita), acompanhada da progressão linear e da narrativa simples.

Embora tenha nascido nos arcades, com Kung-Fu Master, e em consoles como o NES e o Sega Master System, com jogos como Golden Axe e Altered Beast, o gênero teve o seu primeiro pico durante a quarta geração de consoles, principalmente no SNES, com títulos como Final Fight e Teenage Mutant Ninja Turtles IV: Turtles in Time. À época, os combates eram baseados em golpes simples, com pouca variação, e cuja maior habilidade exigida do jogador era saber desviar dos inimigos. A fórmula mudava pouco, mas permanecia viva. Não havia singularidade se não na temática e na história, que ainda assim era pobre. E isso era o suficiente à época, mas essa estrutura não se manteria por muito tempo, algo evidenciado pela falta de títulos relevantes do gênero na era 32/64 bits.

Uma evolução natural dos beat’em ups foram os hack and slash, termo cunhado na década de 1980 e que descrevia originalmente campanhas dedicadas quase que exclusivamente à violência, aparecendo pela primeira vez em artigo da Dragon Magazine, revista dedicada a Dungeons & Dragons e outros RPGs de mesa, publicada de 1975 a 2007. Atualmente, é aplicável a jogos de ação em 3D com estrutura similar aos beat’em ups, mas que tendem a valorizar mais a história, bem como ter um sistema de batalha mais complexo. Se os beat’em ups são focados em quem bater, os hack and slashes são focados em como e o quão rápido. É provável que o primeiro jogo a reunir essas características tenha sido Dinasty Warriors 2 (2000) – o primeiro da série era um jogo de luta –, mas foi Devil May Cry, lançado um ano depois, que popularizou o gênero e constituiu as bases para os próximos. Esse foi o início da segunda grande era dos beat’em ups, agora já na forma dos hack and slashes. Ao escolher um mundo de fantasia em vez de ambientes baseados na realidade, como Metro City de Final Fight, os designers puderam pensar em inimigos mais elaborados – virtualmente não havia limitações –, que consequentemente levaram ao refino do sistema de combate e a um aumento na velocidade do mesmo. Mais, Dante podia alternar entre várias armas, fazer upgrades e comprar itens. Por todas essas qualidades, Devil May Cry se tornou a base de todos os hack and slashes que surgiram a partir daí, mas também despertou um retorno dos beat’em ups nos moldes clássicos, finalmente transpostos para o 3D, como Viewtiful Joe e God Hand. Logo, no entanto, esses beat’em ups, por melhores que fossem e por mais novidades que trouxessem, logo acabaram sendo engolidos pelos novíssimos hack and slashes.

Entretanto, depois de duas sequências e quatro anos de um “reinado” sem grandes perturbações, era óbvio que Devil May Cry estava envelhecendo, mesmo com melhorias sutis no combate, como o sistema de classes (ou “estilos”, como eram denominados no jogo). Foi então que o estúdio de Santa Mônica da Sony criou God of War. Kratos era mais ágil que Dante e as suas Blades of Chaos – assim como todas as outras armas do guerreiro espartano – permitiam movimentos muito mais impressionantes visualmente. O acréscimo dos Quick Time Events permitiu combos que seriam impossíveis para Dante e ainda deixou o jogador no controle durante cenas que antes seriam simplesmente assistidas, ou seja, melhorou a integração entre a jogabilidade e a narrativa. Tudo que DMC fizera foi expandido e melhorado, e não é surpreendente que God of War logo tenha se tornado padrão do gênero, um objetivo a ser alcançado. Mas as mecânicas de jogo de God of War, sozinhas, não garantiriam esse ponto. A sua temática e seu design artístico foram, em grande parte, responsáveis por isso. Nunca antes a Grécia antiga e seus mitos foram retratados com tamanha ousadia, como o primeiro encontro com a Hydra refletia. Claro, as limitações de hardware antes impediam que algo do tipo fosse feito, mas foi apenas no penúltimo ano da geração que alguma desenvolvedora tentou fazê-lo. Era o jogo certo, no momento certo, com a temática certa. Porém, assim como todos os outros, God of War também não poderia ditar as regras por muito tempo.

A indústria de games não segue um padrão, assim como todas as outras. Só podemos concluir, então, que o fato de as últimas três revoluções nos beat’em ups terem acontecido em intervalos quase que religiosamente regulares é uma mera coincidência. Quatro anos e alguns meses após God of War, a Platinum Games, que já havia lançado MadWorld com inspirações nos clássicos do gênero, para Wii, lançou Bayonetta. Bayonetta é a síntese das duas décadas e meia de evoluções dos beat’em ups e posteriormente dos hack and slashes. O próprio criador do jogo, Hideki Kamiya, que também fora responsável por Devil May Cry, percebeu isso, como mostra em citação de abril de 2009: “Faz oito anos desde o lançamento [do primeiro Devil May Cry], então é óbvio que eu não criaria um jogo que não tivesse evoluído com esse tempo! É claro que, se não houvesse DMC, não haveria Bayonetta, que evoluiu de DMC.” Isso é a indústria se renovando cada vez mais, algo que fica especialmente claro nos casos dos hack and slashes. O combate em Bayonetta, ao mesmo tempo em que é complexo, é rápido e natural.

Ok, Bayonetta fez tudo isso, porém para onde o gênero segue a partir daí? Difícil dizer. O histórico nos mostra que a tendência é elaborar um sistema de combate mais e mais eficiente, mas isso é cada vez mais difícil com o passar dos anos. Mas para onde crescer além de Bayonetta? Ampliar o espaço em que o jogador enfrenta os inimigos e o número dos mesmos já foi tentado antes, por Dinasty Warriors 2, porém não se mostrou tão relevante, uma vez que aumentando o número de inimigos diminui a ênfase na jogabilidade, tornando-a superficial. Acima de tudo, é preciso exibir ao jogador um espetáculo na tela, mas deixar claro que ele é o responsável por isso.

Dificilmente veremos um avanço tão grande quanto o salto da década de 1990 para os anos 2000, uma vez que da mesma forma dificilmente veremos um avanço gráfico tão grande quanto o 3D. Os hack and slashes encontram-se num beco sem saída, onde lhes resta encontrar um meio de aprimorar as suas mecânicas de jogo mais e mais, porém sem tirar o controle do jogador. Bayonetta mostrou que uma jogabilidade fundamentalmente baseada em dois botões pode dar certo desde que as situações criadas por ela sejam o suficiente para deixar o jogo rápido, mas ao mesmo tempo simples. De fato, simplificar os comandos, mas torná-los intuitivos e aumentar as possibilidades é uma solução inteligentíssima. O que isso poderia oferecer a franquias já estabelecidas? Pouco, a não ser que a jogabilidade fosse destruída e reconstruída do zero.

Em uma indústria que cresce a cada dia e onde nunca se fez tantos jogos quanto hoje, não devemos duvidar da capacidade criativa dos desenvolvedores, mesmo que demore um bom tempo até termos uma inovação real como Devil May Cry ou Bayonetta. Ou não, quem sabe? Há alguns anos, God of War parecia uma barreira intransponível, mas hoje já foi superado. O que nos resta é esperar.


Matéria originalmente publicada na Edição #03 da Revista Wii+PS3 Brasil. Clique aqui para conferi-la.

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